A Guerra, o Meio-Ambiente e o Boicote como Protesto

Os conflitos armados são responsáveis pela degradação da vida humana e ambiental. Motivados por decisões políticas, dirigem o percurso histórico em direcção a tragédias, com a morte de seres humanos e outros seres vivos, mudando, assim, a fauna e impactando o clima global. Bombardeamentos com força explosiva — incluindo alguns com munições ilegais como fósforo branco ou, em teoria, armamento nuclear — causam deslocações de pessoas, refugiados, poluição atmosférica e aquática, mortes e feridos.

O boicote é uma forma recorrente para qualquer cidadão se demonstrar opositor a estes conflitos. A não efetuação de certas compras, ou protesto contra as mesmas, são aqui alvos de breve análise através da teoria da escolha racional, o paradoxo da participação, e o dilema dos prisioneiros. É possível fazer uma calculação de custos-benefícios que predizem se as pessoas vão participar num boicote que, se, por um lado, se destina a exercer pressão de modo a travar um conflito armado, por outro pode ter consequências económicas e sociais negativas.

Um conflito armado caracteriza-se como uma luta armada entre países ou grupos, o que envolve tensões e choque de interesses, e que varia na sua duração, em quantos indivíduos são expostos neste conflito, a deslocação forçada de pessoas, o número de mortes entre civis e soldados, e as suas causas e consequências (Akresh, 2016). Durantes os conflitos, a tentativa de prejudicar o meio ambiente inimigo é, por vezes, um dos objetivos militares: foi usado como estratégia nos conflitos do Sudeste Asiático, como foi o caso da Guerra do Vietname, onde os Estados Unidos lançavam químicos agrestes em terras cultiváveis para obstruir a produção de alimento, destruindo quintas, florestas e depósitos de água.

Nos anos 80, profissionais de saúde encontraram preocupações com a ligação entre o uso de armas nucleares e o impacto ambiental. Desenvolvidas durante a Segunda Guerra Mundial, com o projeto Manhattan, estas armas foram exploradas na Guerra Fria, com o medo persistente de serem usadas, uma preocupação que permanece até aos dias de hoje. As experiências com a radioatividade, na evolução destes armamentos, resultam em condicionamentos nas vidas humanas, e outras vidas biológicas. Vemos, como exemplo, o caso de comunidades indígenas nos Estados Unidos da América, vítimas destas experiências.

Na década de noventa do século passado, a Guerra do Golfo e de Kosovo demonstraram uma colisão do uso de armas convencionais com a destruição do meio ambiente. Bombardeamentos aéreos produzem impacto significativo e directo na natureza, além daquele resultante da deslocação de refugiados. Em resultado de tantos conflitos, estima-se que, em todo o mundo, 70 a 100 milhões de minas terrestres continuam ativas, pondo em causa a vida de civis que praticam atividades como agricultura (Leaning, 2000).

Atualmente, a Human Rights Watch declarara que Israel lança fósforo branco em Gaza, que, além de impactar a saúde de milhões de pessoas, prejudica o meio ambiente através de fenómenos como a eutrofização, com depósitos de água a receberem uma enorme porção de nutrientes e minerais, o que aumenta excessivamente o desenvolvimento de algas e plantas aquáticas, tornando a água impotável. O fósforo é o principal causador da eutrofização, destruindo acesso a água limpa, sendo um dos principais poluentes ambientais (Babynin, Mindubaev, 2019). Fósforo branco contêm componentes que inflamam ao entrar em contacto com a atmosfera, causando combustão por 10 a 12 minutos. A mesma declaração, igualmente da Human Rights Watch, foi produzida em 2009, denunciando o devastador efeito de mortos e feridos no mesmo cenário (Blanford, Marquand, 2009). Outro caso da utilização deste método de armamento desenrola-se na guerra Ucrânia- Rússia, com a produção destes componentes a ser continuada, por estimação, pela Rússia, no futuro (A. Akosah, G. Mironova, K. Bedeeva, T. Minzanova, V. Babynin, Z. Mindubaev, 2021).

O boicote é uma forma de protesto que, segundo Friedman (1985), caracteriza-se pela tentativa de alcançar objetivos através da escolha individual ou coletiva em não efetuar certas compras, ou seja, um consumo consciente. Existem diversos exemplos ao longo da história, incluindo o boicote de produtos dinamarqueses por parte dos países islâmicos, após as caricaturas da autoria de Jyllands-Posten de Maomé, em 2005/2006, o boicote pela Turquia de produtos israelenses durante o conflito em Gaza, em 2014, e, mais recente ainda, os boicotes efetuados a marcas como McDonald´s e Starbucks pelo apoio realizado a Israel.

Recorrendo à psicologia e à sociologia para analisar esta temática, encontramos o paradoxo da participação, estipulando que atores racionais não participam em ação coletiva para alcançar objetivos comuns (que neste caso seria o cessar-fogo). Segundo Sen, Gürhan-Canli, and Morwitz (2001), os boicotes são apresentados como um dilema social, em que o consumidor escolhe entre os benefícios individuais e os coletivos. Tal como votar, boicotar aparenta ter poucos benefícios individuais; porém, as pessoas efectivamente votam e também boicotam. No modelo de cálculo custos-benefícios, observamos como, por exemplo, a visualização de um vídeo a mostrar as consequências ambientais de um bombardeamento auxilia a tomada de decisão. Ao se chegar à conclusão que determinada empresa ou marca exerce uma certa influência nestes acontecimentos, a perceção, que vai variar de aspetos psicológicos e sociais, do indivíduo perante estes factos, impele-o a tomar uma decisão activa. Assim, os indivíduos obtêm a motivação de parar com as ações dessa empresa, fazendo a diferença, sobretudo se acreditarem que tal boicote é propenso a produzir um bom resultado, existindo, igualmente, a sensação de bem-estar e de admiração externa, ou a autoculpabilização e censura externa em caso da não realização do boicote (Dovidio et al. 1991; Craig Smith, John, Gabrielle Klein, 2004).

Por sua vez, existem custos nesta calculação. Um custo seria o receio de causar sofrimento inadvertido e alheio com o boicote, como despedimentos. A pessoa a boicotar pode, igualmente, considerar a sua contribuição pequena para ser notada, ou porque consideram que as ações não são necessárias, tornando-se, assim, free-riders na acção, pois outras pessoas estão disponíveis para ajudar (Latane and Nida, 1981; Craig Smith, John, Gabrielle Klein, 2004).

Por outro lado, ao observarmos o dilema do prisioneiro, uma experiência da teoria de jogos para previsões sociais e psicológicas, percebemos que certas metas e condições podem auxiliar na cooperação, como o visionamento do futuro, a repetição e a imprevisibilidade (Taylor 1976; Palfrey and Rosenthal 1983; Axelrod 1984). No caso do boicote contra a guerra, as pessoas não conseguem tomar uma decisão se considerarem as suas ações sem poder, se colocarem a responsabilidade nos outros, ou se existir preocupação com as possíveis consequências, com o fator de observação alheia e contexto social auxiliar na produção desta decisão. Quando os custos de boicotar são altos, as pessoas são menos propensas a aceitar comportamento free-riding, sendo mais recetivos ao comportamento alheio. Quando a participação é alta, a motivação para o boicote é menor, e a ocorrência do free-riding aumenta.

Mas tudo indica que os boicotes podem produzir efeito, levando a uma negociação por parte da empresa, sobretudo por causa da falha na imagem corporativa. Mas nem todos os assuntos adquirem simpatia por parte do público (Akhigbe, M. Springer, Sergius Koku, 1997). Estudos recentes comprovam uma eficiência superior, por causa das redes sociais, como por exemplo, o Twitter, em que influenciam boicotes e os seus resultados (C. Makarem, Haeran Jae, 2015).

Em conclusão, o boicote é uma forma de participação cívica em que, apesar da teoria da escolha racional predizer que os benefícios são pequenos, as pessoas são ativas e seletivas com o consumo que realizam. Com a devastação do ambiente, mortes e refugiados, e com a sua gravação e projeção nos noticiários e media, algumas pessoas sentem a nível individual e a nível colectivo a necessidade de ajudar, produzindo um sentimento de bem-estar derivado dessa acção directa. De igual modo, as pessoas podem sentir a censura em não realizarem um boicote, observando o comportamento alheio, o que deriva de fatores sociais e psicológicos.

Free-riders, pessoas que até podem concordar com o propósito do boicote mas não vêem necessidade de participar dada a alta mobilização de outros, aproveitam-se de uma taxa de participação alta para não participarem e, assim, de certo modo sentirem-se parte do movimento sem tomarem qualquer acção. O boicote apresenta-se como um método eficaz por causa da perda de valor de imagem corporativa, apesar de nem todos os assuntos adquirem simpatia pelo público, e as redes sociais são um grande fator neste tipo de participação política.

Bibliografia:

Lawrence, M. J., Stemberger, H. L., Zolderdo, A. J., Struthers, D. P., & Cooke, S. J. (2015). The effects of modern war and military activities on biodiversity and the environment. Environmental Reviews, 23(4), 443-460.

Akresh, R. (2016). Climate change, conflict, and children. The future of children, 51-71.

Leaning, J. (2000). Environment and health: 5. Impact of war. CMAJ, 163(9), 1157-1161.

Marquand, R., & Blanford, N. (2009). Gaza: Israel under fire for alleged white phosphorus use. Christian Science Monitor, 14, 7-19.

Klein, J. G., Smith, N. C., & John, A. (2004). Why we boycott: Consumer motivations for boycott participation. Journal of Marketing, 68(3), 92-109.

Whiteley, P. F. (1995). Rational choice and political participation—Evaluating the debate. Political Research Quarterly, 48(1), 211-233.