A Pílula Contraceptiva e a Emancipação Sexual da Mulher

Queremos hoje lembrar um item médico de importância vital na emancipação da vida da mulher desde há setenta anos para cá: a pílula contraceptiva. 

Sobre isto, queremos sublinhar duas ou três perspectivas hoje pouco lembradas. Primeiro, nos dias de hoje não se tem a mínima noção da revolução que esta inovação tecnológica trouxe à autonomia sexual das mulheres. É um dado adquirido tão naturalizado que já nem nos lembramos do fundamental: a pílula contraceptiva permitiu à mulher ter liberdade de ter relações sexuais com quem bem entendesse por sua autonomia e responsabilidade, sem ter de exigir ao homem coisíssima nenhuma. 

Efectivamente pode dizer-se que há uma vida sexual, um feminismo e quiçá uma mulher antes e outra depois da pílula contraceptiva. Hoje fala-se mais da parte da “responsabilidade” inclusive tendo em conta as consequências clínicas do uso da pílula, mas esquece-se completamente a parte da “autonomia“: a pílula permitiu às mulheres não terem de depender do homem para coisíssima nenhuma no que a esse aspecto diz respeito.

Outra perspectiva a destacar é ter mitigado a gravidez indesejada e os abortos quer nas classes baixas quer nas mais abonadas: de facto, o primeiro grupo ser emancipado foi o da mulher casada, de companheiro fixo; a pílula libertou-a do fardo das gravidezes sucessivas, aumentando também a sua mais valia como força de trabalho. Não é provável que tenha sido inventada para a dita emancipação, mas talvez primeiramente porque permitia a libertação do chefe de família de ter uma família enorme a seu cargo e de que a mulher nunca fosse uma fonte de rendimentos estável. Uma réstia da ética que presidia a esse modo de vida pode talvez ser ainda observada na resistência das religiões tradicionais à contracepção — embora o assunto seja mais complexo.

Por último, a pílula libertou também os homens da vasectomia, procedimento médico que nos EUA estava muito difundida e que hoje começa a ser novamente debatido como alternativa viável, dadas as preocupações contemporâneas com a sobrecarga química que a pílula impõe ao organismo feminino. Um argumento que por vezes é também debatido é se seria tão ou quiçá mais fácil terem inventado um método químico de contracepção que incidisse antes sobre o organismo masculino, mas não existem certezas quanto a isso. É provável que tecnicamente fosse de facto mais acessível impedir a ovulação do que neutralizar a fecundidade dos fluidos masculinos.

Mas sublinhamos novamente o primeiro apontamento, absolutamente fundamental: há uma vida sexual, um feminismo e quiçá uma mulher antes e outra depois da pílula contraceptiva. Esta é uma posição ainda bem presente em algumas feministas desse tempo, do tempo em que essas inovações tecnológicas começaram a ser comuns em Portugal e no resto do mundo. O feminismo é feito por fases e por vezes a fase seguinte esquece-se completamente da anterior, como tudo na vida.