A teoria de Justiça de Rawls e a crítica de Nozick

Texto de Charles Ysaacc da Silva Rodrigues e Paula Alexandra Carvalho de Figueiredo.

A noção de direitos naturais remonta à idade antiga, nas obras de Platão e Aristóteles, como um conjunto de princípios gerais sobre a ordem do mundo[1]. Mas estes só assumiram relevância a partir do século XVII, assentes no pressuposto que a disposição natural, que leva os seres humanos a praticar o bem, é a racionalidade — esta foi a ideia central de Hugo Grotius, quando publicou em 1625, “O Direito da Guerra e da Paz” fundamentando o jusnaturalismo Moderno, a ideia de cooperação e reciprocidade que a todos beneficia. Também Samuel Pudendorf sustentou esta premissa: a de que qualquer indivíduo tem a capacidade de identificar as leis naturais sem apelar à necessidade de recorrer a um ser divino (Finnis, 2011; Griffin, 2008).

Assim sendo, a Modernidade orientou-se pela crença que a razão seria o ponto de partida de todo o conhecimento humano — limitada e controlada pela experiência, independente dos dogmas da revelação — que veio permitir ao homem a conquista da liberdade e da prosperidade social e política, acabando por influenciar todas as áreas do pensamento. Dentro do pensamento filosófico surgiram grandes obras ainda hoje influenciam o debate entre os direitos naturais e as relações entre os Estados. A necessidade de estabelecer direitos devido ao caótico estado de natureza, da guerra de todos contra todos, de Hobbes (2010) deu azo a outras propostas: como a de Rousseau (1999) cuja pretensão foi humanizar e converter os indivíduos egoístas em cidadãos participativos; como a de Kant (2008) cuja crença foi de que só um direito universal e solidário poderia manter a paz entre as Nações; e como a de Locke (1999) que veio sustentar a necessidade de criar um estado civil fruto do consentimento popular, sob a premissa do primado dos direitos naturais — liberdade, igualdade e o direito de resistência à opressão.

Todos estes contributos, de uma forma ou outra, acabaram por fundamentar os primeiros princípios e regras de natureza jurídica que deviam reger os membros dentro de uma sociedade a partir da situação hipotética do contrato social — sendo esta ideia fundamentada em três elementos essenciais: a situação inicial, o contrato e o resultado do contrato, que corresponde às normas que presidem à constituição de um Estado ou de uma moral. E que por si, também veio regular a relação entre as sociedades, no âmbito das suas relações internacionais, tanto na ação jurídica como pública; onde o direito internacional deu os seus primeiros passos com base na coordenação, reciprocidade e subordinação, entre os Estados e no exercício da sua soberania.

O trabalho do filósofo John Rawls configurou uma nova perspectiva do Contratualismo, inspirado em Locke, Rousseau e Kant, também contemplou as críticas de David Hume e Georg Wilhelm Friedrich Hegel, bem como da corrente marxista, além de se constituir como uma alternativa ao Utilitarismo. Os argumentos de Rawls (1993) desenvolvidos a partir do método de equilíbrio reflexivo[2] sustentaram-se no reconhecimento dos limites da racionalidade, permitindo uma nova compreensão da imparcialidade.

Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi indagar, desde o Contratualismo de John Rawls os princípios de justiça com os quais os indivíduos podem razoavelmente concordar, considerando a crítica de Robert Nozick que defende que cada pessoa tem pelo menos dois direitos invioláveis: a liberdade pessoal e a propriedade privada.

Nas seguintes secções será possível indagar sobre “Uma Teoria da Justiça” de Rawls, tendo como base o contratualismo e os princípios de justiça e, posteriormente, realiza-se uma breve abordagem à objeção de Nozick da sua obra de “Anarquia, Estado e Utopia”.

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O Contratualismo de Rawls

A forma como se definem os elementos do contrato social acabou por dar origem a diferentes perspectivas do argumento Contratualista. O conceito do atual Contratualismo inspirou-se na tradição kantiana, considerando que esta orientação colocou o individuo como pessoa moral e interessada na justificação pública das normas que orientam a sua ação[3]; fundamentado na igualdade natural dos indivíduos e na imparcialidade dos seus interesses, sendo este último expresso em acordos que reconhecem os interesses e o status moral de cada pessoa.

A imparcialidade é fundamento e objeto do acordo, segundo os princípios de justiça que regulam as instituições em sociedade, e não o resultado da obrigação política. Tanto que, a moralidade como imparcialidade utilizada no contrato social justifica-se, por um lado, na criação das noções tradicionais da obrigação moral (utilizando a ideia do mesmo para expressar uma moral inerente ao indivíduo), por outro lado, nega a possibilidade de uma negociação desigual do contrato (Freeman 2007; Rawls, 1993)

Os pressupostos teóricos nas versões mais recentes do Contratualismo colocaram grande peso na heterogeneidade dos indivíduos. Normalmente, as razões pelas quais os indivíduos tendem a acordar regras ou princípios são as suas próprias razões e não as boas razões. Não se pode esperar que todos tenham a mesma concepção de bem, dado que as razões diferem entre indivíduos, devido à existência de uma pluralidade de doutrinas e mundividências de carácter filosófico ou moral. Numa sociedade livre não é possível haver um consenso estrito em torno das questões básicas de justiça (Rosas, 2008).

Apesar da pluralidade parecer, em certos casos, intransponível porque deriva do uso da razão livre, isto é, das condições epistémicas dos indivíduos — não será razoável pensar que todos os indivíduos possam aderir aos mesmos princípios por razões diferentes? Certamente, que esses mesmos indivíduos podem preocupar-se com o que consideram um bem imparcial ou outra qualquer noção não individualista, considerando que não têm de ser propriamente egoístas (Rawls, 1993; Rosas, 2008).

A orientação do Contratualismo de Rawls (1993) incide na perspectiva política, especificamente, a respeito das questões de justiça — direitos e deveres dos indivíduos e o exercício do poder político de uma estrutura básica ordenada (um sistema de cooperação entre indivíduos). Isto porque, o pensamento do filósofo permite pensar a imparcialidade, sob certas condições ideais e procurar os princípios com os quais todos poderão razoavelmente concordar[4]. Ou seja, os indivíduos deverão escolher os princípios de justiça, desconhecendo a sua posição e as circunstâncias, que irão ocupar num mundo em que esses serão implementados. Esta foi a principal premissa do contrato social de Rawls (1993) que veio oferecer uma força normativa à moralidade, com base no respeito mútuo.

Em “Uma Teoria da Justiça”, Rawls (1993) orientou o seu trabalho pela pregunta: qual é a concepção moral de justiça mais apropriada para uma sociedade democrática? Para compreender o pensamento do filósofo é fundamental entender que este procurou elaborar um ideal realista de justiça. A sua concepção assentou em pressupostos teóricos, na medida em que projetou as condições ideais de uma sociedade bem ordenada, onde pessoas razoáveis, livres e iguais aceitam a mesma concepção de justiça. Mas o discurso de justiça, também foi projetado sob as condições normais da vida social dos seres humanos, ou seja, sobre a realidade das relações (Freeman, 2006; Rawls, 1993).

O contrato social em Rawls (1993) assumiu, assim, uma perspectiva política de justiça como equidade, dado que procurou definir uma estrutura social geral para uma sociedade liberal, em vez de estabelecer apenas princípios morais. Como resultado determinou que os indivíduos desconhecem a sua posição e interesses pessoais, bem como os seus talentos naturais e projetos individuais, conhecendo apenas os factos gerais de natureza psicológica e sociológica, o que os coloca sob um véu de ignorância, também denominado de posição original [5]. Ao utilizar o interesse próprio, a partir da situação hipotética da posição original, Rawls (1993) garantiu os princípios de justiça que resultam do acordo com a devida imparcialidade e exerceu um compromisso com a justiça, interpretada como justiça para todos. Importa referir que esta concepção deu-se a partir da teoria ideal, onde não existem obstáculos históricos para a realização de instituições justas.

No que concerne à premissa da posição original, esta decorreu do argumento intuitivo da igualdade e da justiça entre indivíduos, considerando que ao desconhecer qual a posição que irão ocupar em sociedade seria razoável aceitarem princípios sobre os quais ninguém se sentiria beneficiado ou prejudicado. Como perspectiva política moral, o Contratualismo de John Rawls, defendeu que a necessidade de uma distribuição justa dos bens, requer, primeiro, saber quais os critérios para uma distribuição equitativa, no sentido de minimizar a desigualdade e, segundo, promover uma sociedade mais justa, tal como seria escolhida por seres racionais. Com esta posição de concepção geral da justiça o filósofo fundamentou o princípio teórico de imparcialidade (Rosas, 2008).

Os Princípios de Justiça de Rawls

Desde a prática jurídica os princípios são uma exigência de justiça, de equidade ou de uma outra dimensão da moralidade[6] (Dworkin, 1978). Para Rawls (1993) a justiça ocupa-se dos princípios fundamentais necessários à cooperação social. Numa sociedade política o sistema é cooperativo: o Estado como autoridade toma decisões sobre a estrutura das instituições sociais e económicas em função do bem comum; promulga as normas que orientam a atribuição de direitos básicos aos cidadãos, regula a economia e a justiça social. As instituições, por sua vez, disponibilizam os diversos bens, mas para que estas funcionem os indivíduos necessitam cumprir as regras estabelecidas. Logo, a cooperação entre indivíduos é o que possibilita a distribuição de benefícios (Rawls, 1993; Rosas, 2008).

Uma característica fundamental da concepção contratual de justiça é que a estrutura básica da sociedade é o primeiro objeto de justiça (Rawls, 2006). Os princípios fundamentais desta cooperação são considerados bens sociais primários — liberdades, oportunidades e riquezaestes são bens instrumentais, na medida que todos os indivíduos devem possuir, no sentido de poderem realizar os seus interesses. Os bens sociais primários são produzidos e distribuídos pelas instituições sociais e não por causas naturais. Mas a justiça também se ocupa das bases sociais do respeito próprio, de forma mais ampla: das liberdades e imunidades, das oportunidades e poderes, das riquezas e rendimento, que são diretamente distribuídas pelas instituições sociais (Freeman, 2006; Rawls, 1993; Rosas, 2008).

A proposta política de Rawls (1993) orientou-se à estrutura básica, para uma sociedade justa, de acordo com princípios de justiça: o princípio das liberdades e o princípio da diferença. Quanto aos princípios de justiça fundamenta-os numa concepção geral de justiça, implicando que:

“Todos os valores sociais, liberdade e oportunidade, rendimento e riqueza, e as bases sociais do respeito próprio, devem ser distribuídos igualmente, salvo se uma distribuição desigual de alguns desses valores, ou de todos eles, redunde em benefício de todos. Assim, a injustiça é simplesmente a desigualdade que não resulta em benefício de todos”

(Rawls, 1993: 69).

Quanto ao princípio das liberdades Rawls (1993: 68) considerou que “Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema de liberdades idêntico para as outras.”. Ou seja, a sociedade deve assegurar a máxima liberdade para cada indivíduo que seja compatível com uma liberdade igual para os demais. Contudo, as liberdades dos indivíduos devem ser vistas como um sistema, dado que têm de ser compatibilizadas (Rosas, 2008). O conceito de liberdade em Rawls (1993) assumiu três aspetos distintos: os indivíduos que são livres; as restrições ou limitações de que estes estão livres; e aquilo que estes podem ou não fazer. Em uma sociedade devidamente organizada o ideal político é a completa autonomia, assim que em relação à liberdade de circulação, esta é uma liberdade fundamental (Rosas, 2008).

No que diz respeito ao princípio da diferença, a interpretação deste é mais complexa, no sentido que assume, que em sociedade existem desigualdades económicas e sociais que são moralmente permitidas:

“As desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas por forma a que, simultaneamente: a) se possa razoavelmente esperar que elas sejam em benefício de todos; b) decorram de posições e funções às quais todos têm acesso.”

(Rawls, 1993: 68).

Porém, estas premissas do princípio da diferença decorrem do princípio da oportunidade justa, da ideia de igualdade entre indivíduos como uma propriedade natural, que qualifica os indivíduos, enquanto sujeitos morais e que não depende da arbitrariedade dos acasos sociais ou naturais. Ou seja, consiste na igual consideração dos interesses individuais. Deste modo, todos os indivíduos afetados pelas regras de vida em sociedade são considerados como iguais, uma vez que os seus interesses merecem consideração igual, sem qualquer tipo de discriminação. Como tal, a igualdade assume um valor intrínseco e não meramente instrumental, considerando que esta é boa apenas porque produz a maior felicidade (Rawls, 1993; Rosas, 2008).

Como base nestes princípios os Estados devem orientar a sua estrutura básica para uma sociedade justa. A proposta de Rawls (1993) do contrato social acabou por fundamentar a sua teoria do liberalismo igualitário sustentando, assim, o primado da virtude social da justiça e do respeito pelos direitos individuais, procurando conjugar a prioridade das liberdades básicas, civis e políticas, atribuindo particular relevância à igualdade de oportunidades e à função distributiva do Estado. Ou seja, uma posição que procurou o equilíbrio entre a justiça civil e política e a justiça social e económica (Rosas, 2008).

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A crítica a John Rawls

Como a justiça no seu todo é prioritária em relação ao aumento de bem-estar, também a justiça civil e política é prioritária em relação à justiça social e económica. Da mesma forma, a distribuição da liberdade tem prioridade em relação aos outros bens sociais básicos, ficando esta salvaguardada, independentemente de que as políticas visem outras prioridades. Neste sentido, a proposta do igualitarismo de Rawls (1993) nunca poderá ser promovida à custa da liberdade. Esta perspectiva colocou a teoria de justiça perante um paradigma, por um lado, é liberal e, por outro lado, tendencialmente igualitária em termos socioeconómicos (Rosas, 2008).

Uma estrutura básica ordenada de acordo como os princípios selecionados da posição original possibilita a construção de uma sociedade justa, dando origem uma sociedade pluralista, cuja prioridade é a proteção das liberdades. Segundo Rawls (1993) a consagração constitucional das liberdades pelos Estados permite ultrapassar os conflitos e, paralelamente contribuir para o pluralismo, proporcionando o aprofundar das diversas doutrinas sobre o mundo e a vida[7]. Isto é, uma sociedade ordenada é uma democracia constitucional que protege o livre uso da razão, sendo o pluralismo uma característica inexcedível do ideal de uma sociedade justa e, como tal, de uma sociedade democrática.

O Contratualismo em Rawls (1993) assumiu, assim, como bases normativas o individualismo, universalismo e igualitarismo — o indivíduo, como última instância do valor moral; universal, dado que todos os indivíduos contam; e igualitário, no sentido em que todos os indivíduos contam de igual modo (Rawls, 1993). Parece que uma teoria moral imparcial é demasiado exigente, mas Rawls (1993) para responder a esta dificuldade referiu-se ao consenso político possível e necessário como consenso de sobreposição dos próprios princípios de justiça. O consenso de sobreposição obriga, de certa forma, ao uso da razão pública, ou melhor da razão política no sentido estrito, para a qual devem ser asseverados os princípios políticos[8] (Freeman, 2006).

Alguns dos argumentos utilizados em “Uma Teoria da Justiça” não ficaram isentos de críticas. Primeiro, devido à inconsistência no uso de duas teorias de justiça: uma de orientação kantiana que se refere à conceção da moral como a imparcialidade, princípio crucial para a abordagem contratualista; e a outra de orientação hobbesiana, em razão da ideia de cooperação social como benefício mútuo, factor determinante para o contrato social. Segundo, pelo o facto de Rawls (1993) ter pensado a estrutura básica como um sistema fechado e isolado, articulando a teoria Estado-cêntrica, onde a justiça tem a sua ação válida dentro das sociedades organizadas de forma institucional. Esta posição veio dificultar a sua aplicação às relações entre sociedades[9] (Rosas, 2008).

Robert Nozick

O filósofo Robert Nozick, através da sua obra “Anarquia, Estado e Utopia” veio propor uma teoria alternativa à de Rawls (1993). A substancial diferença é que para Nozick (1988) cada pessoa tem pelo menos dois direitos que são invioláveis, que nem outras pessoas ou grupos sociais podem delimitar: o direito à liberdade pessoal e o direito à propriedade privada. Estes não só devem ser respeitados, como devem ser protegidos contra quaisquer restrições fundamentais ou de tipo absolutista[10], que possam colocar em risco esses direitos individuais.

Numa primeira abordagem, Nozick (1988) sugere que a inviolabilidade dos direitos do indivíduo, em comparação com as limitações do Estado, poderia levar a crer que o Estado existia unicamente para servir ao individuo; o que remete para uma ideia de anarquia. Quando Nozick (1988) se apercebe desta situação, e sem abandonar o estado de natureza assinalado por Locke (1999), o filósofo propõem que um Estado teria de ser gerado seguindo, pelo menos, duas condições: a primeira, seria que as pessoas agissem com base no seu próprio interesse racional; e a segunda, que fossem respeitados os direitos dos demais membros do Estado. Esta é a diferença entre o Estado mínimo de Nozick e o Estado redistributivo de Rawls, sendo que o primeiro segue uma linha única que está associada à concepção histórica da justiça, enquanto, o segundo segue um entendimento estrutural.

Importa referir que existem três diferentes princípios de justiça no que concerne à aquisição da propriedade: um princípio de justiça na aquisição da propriedade, outro na sua transferência e, um último, que serve para retificar as injustiças que tivessem ocorrido em qualquer um dos processos anteriores. Neste sentido, o factor importante seria a tal dimensão histórica da justiça, que por si refere que a detenção de uma propriedade não é justa somente porque se lhe atribui, mas sim pela história que produziu a sua efetividade. Assim sendo, Nozick (1988) considera que uma aquisição é justa se for adquirida e transferida de forma justa, enquanto Rawls, desde o seu enfoque estrutural, propõe que a justiça do direito à propriedade deve satisfazer, tanto a restrição estrutural como o princípio da diferença.

Neste contexto, a teoria de Nozick (1988) realiza duas objeções à teoria de Rawls, uma básica e outra prática: primeiro, enquanto a teoria de Nozick reconhece que a propriedade sempre pertence a alguém, a teoria de Rawls refere que os bens por distribuir são assignados de maneira gratuita e providencial naquilo que se considera necessariamente explicável, isto é, sem se referir aos títulos de propriedade (das pessoas que exercem o seu direito de propriedade sobre estas). Em segundo, que a teoria estrutural de Rawls quando tenta regular a sociedade, apresenta um efeito de intolerância devido à ingerência do Estado nas ações dos indivíduos.

No essencial, a principal objeção Nozick (1988) à teoria de Rawls (1993) é que os seus aspectos distributivos implicam uma violação dos direitos individuais da propriedade e da possessão, porque as imposições da forma distributiva envolvem uma constante interferência do Estado, de tal maneira que este tem de se apropriar dos recursos dos indivíduos para assegurar tal distribuição. Assim, Nozick considera que Rawls, como defensor da redistribuição do Estado de bem-estar não pondera que a pessoa seja suficientemente séria, porque parece estar disposto a estabelecer um sistema tributário que implica a utilização dos talentos que certos indivíduos têm como meio, para os fins de outros indivíduos que carecem desses mesmos talentos.

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Parece legítimo pensar, que a conjuntura criada por Nozick, onde os direitos básicos são invioláveis, é tão discutível, como a tentativa estrutural de Rawls. Embora a teoria de Rawls tenha aplicado uma proposta de decisão racional, como método comprovado na economia, para determinar os princípios de justiça, mas também a ordem da sua aplicação. Igualmente, parece pertinente pensar nas objeções de Nozick sobre a influência do Estado, desde o ideal liberal; isto porque as sociedades liberais não têm conseguido um resultado efetivo quanto à injustiça social e, em certas situações, agravam as desigualdades.

Referências Bibliográficas e Bibliografia

Dworkin, R. (1978). The Model of Rules I. in Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press. ISBN: 978-0674867116

Finnis, J. (2011). Natural Law and Natural Rights. Oxford: Oxford University Press. ISBN-13: 978-0199599141

Freeman, S. (2007). Justice and the Social Contract: Essays on Rawlsian Political Philosophy. New York: Oxford University Press. ISBN: 978-0195384635.

Griffin, J. (2008). On Human Rights. Oxford: University of Oxford. DOI: 10.1093/acprof:oso/9780199238781.001.0001

Hobbes, T. (2010). Leviatã. (4ª ed.) Lisboa: INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda. ISBN: 9789722718240

Kant, I. (2008). A Paz Perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70. ISBN: 978-9724415154.

Nozick, R. (1988). Anarquía, Estado y Utopía. México: Fondo de Cultura Económica. ISBN: 950-557-090-2

Locke, J. (1999). Ensaio sobre a Verdadeira Origem, Extensão e Fim do Governo Civil. Lisboa: Edições 70.

Rawls, J. (1993). Uma Teoria da Justiça. (1ª ed.). Lisboa: Editorial Presença. ISBN 978-9722317153

Rosas, J.C. (2008). Liberalismo Igualitário. In J. Cardoso Rosas (Org.). Manual de Filosofia Política (pp.35-66). Coimbra: Almedina.

Rousseau, J-J. (1999). O Contrato Social. Lisboa. Publicações Europa-América. ISBN: 5601072405950

  1. No entanto, à época o estatuto formal de pertença a uma comunidade juridicamente organizada delimitava os direitos à cidadania, pelo que excluía todos os estrangeiros, crianças, mulheres e escravos. De facto, os direitos ao longo de séculos não se aplicavam de igual forma a todos os homens, exemplo disso é a Carta Magna de 1215, que tratava de direitos de certas classes sociais e instituições. Ainda durante a época Medieval Tomás de Aquino dedicou parte dos seus escritos à análise da lei natural e do direito natural, contudo, não se refere ao direito natural como a acepção Moderna (Griffin, 2008).

  2. Esta opção surge como exercício epistemológico para determinar os princípios gerais que devemos adotar, confrontando os nossos juízos morais (que são particulares). O método do equilíbrio reflexivo faz uso da capacidade deliberativa e tem como ponto de partida o abandono de crenças individuais, para estabelecer um grupo de crenças ponderadas, que devem ser criticadas e objetadas com perspectivas contrárias, procurando, assim, um equilíbrio a partir das sucessivas revisões dessas crenças (De Paul, 2006).

  3. Uma postura defendida e desenvolvida pelos filósofos contemporâneos John Rawls e Thomas Scanlon. Uma outra orientação é conhecida como Contractarianism tem sido utilizada para designar as teorias do contrato social que derivam do argumento hobbesiano; ou seja, que consideram os indivíduos como agentes egoístas racionais e que não abdicam da sua condição, justificadas nas normas em sociedade (esta visão é defendida e desenvolvida pelos filósofos David Gauthier e James Buchanan).

  4. Ou princípios, com os quais os agentes racionais não poderão, razoavelmente, rejeitar.

  5. Este exercício surgiu a partir da ideia de Rousseau (1999), contudo, a posição original é uma interpretação da concepção da autonomia da Kant (2011) e do Imperativo Categórico, dado que, a ordem social só poderia ser justa, se os interesses individuais não fossem considerados aquando da celebração do contrato.

  6. I call a “principle” a standard that is to be observer, not because it will advance or secure as economic, political, or social situation deemed desirable, but because it is a requirement of justice or fairness or some other dimension of morality (Dworkin, 1978: 22)

  7. Aspectos morais, filosóficos e religiosos.

  8. Neste ponto Rawls (1993) invoca duas posições a razão pública ideal e a não ideal.

  9. Esta crítica parece recair mais sobre o uso do liberalismo.

  10. Considerar que um direito é uma restrição, está associado a uma pretensão pessoal, que no caso de se manifestar em contra de uma ação de determinado Estado pode significar uma proteção. Sendo que para Nozick são absolutas, porque não podem ser violadas em prole de maximizar nenhum dos bens sociais correntes. Assim, considera estes direitos como fundamentais, uma vez que a sua satisfação é um bem em si mesmo, e não algo que se deve a um objetivo.