Analogias: WW2, Europa e Ucrânia

História e não estória: odeio acontecimentos históricos adaptados à conveniência e analogias com pouco sentido. Neville Chamberlain foi obviamente comido de cebolada em setembro de 1938, mas não foi ele o responsável pela WW2.

De facto a 30 de setembro de 1938, Neville Chamberlain, primeiro-ministro britânico, assinou o acordo de Munique com Adolf Hitler (Alemanha), Benito Mussolini (Itália) e Édouard Daladier (França). O objetivo? Evitar uma nova guerra europeia através da cedência à Alemanha Nazi a região dos Sudetas, uma parte fronteiriça da Checoslováquia, onde vivia uma grande população de origem alemã. Notem que o governo checoslovaco não foi sequer convidado para as negociações, só a aceitar a perda do território! E de facto Chamberlain regressou ao Reino Unido no dia seguinte e, assim que desembarcou em Londres, ergueu o documento assinado perante uma multidão entusiasmada. “Trouxe-vos a paz para o nosso tempo”. Nada mais errado como sabemos hoje. Mas acho que o enquadramento histórico merece ser mais alargado…

Vamos lá recuar dois aninhos antes do momento Chamberlain. Nos jogos olímpicos de Berlim de 1936, a delegação francesa, ao entrar no estádio, fez uma saudação que muitos interpretaram como o gesto nazi, embora tenha sido depois justificada como uma saudação olímpica. Este episódio simboliza como, naquela época, muitos governos ocidentais toleraram e até cultivaram relações cordiais com o regime nazi. O primeiro-ministro britânico era Stanley Baldwin, que, tal como outros líderes europeus, via Hitler como um baluarte contra o comunismo e acreditava que era possível apaziguá-lo. Foi o antecessor de Chamberlain. O ponto mais alto desta normalização do regime nazi foi quanto a mim a encenação dos jogos em Berlim, onde o III reich se apresentou ao mundo como uma potência moderna e disciplinada, sem que as perseguições aos judeus e a forte re-militarização alemã alarmasse as principais democracias ocidentais. É bom recordar que o anti-semitismo estava presente um pouco por toda a Europa, inlcuindo também, em especial, no Reino Unido.

Ah, já agora, o pacto Molotov-Ribbentrop, assinado a 23 de agosto de 1939, entre a Alemanha nazi e a URSS. Oficialmente um tratado de não agressão, incluía um protocolo secreto que dividia a Europa Oriental em esferas de influência. Hitler e Estaline concordaram em partilhar a Polónia, com a Alemanha a ficar com o oeste e a URSS o leste, além do controlo soviético sobre os Estados Bálticos (Estónia, Letónia, Lituânia) e também Finlândia. E de facto a 1 de setembro de 1939 os alemães invadiam a Polónia, os soviéticos, a 17. O Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha a 3 de setembro de 1939.

Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha a 3 de setembro de 1939, 2 dias depois da invasão nazi da Polónia. Vamos lá ver como é que correu depois da Europa democrática finalmente bater o pé ao Adolfo: 9 de abril de 1940 – Invasão da Dinamarca e da Noruega (Operação Weserübung). 10 de maio de 1940 – Invasão da Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo (início da ofensiva alemã no Ocidente). 10 de maio de 1940 – Invasão da França (queda de Paris a 14 de junho; armistício assinado a 22 de junho). 28 de outubro de 1940 – Invasão da Grécia pela Itália (fracasso inicial, levando à intervenção alemã em abril de 1941). 6 de abril de 1941 – Invasão da Jugoslávia e da Grécia (a Alemanha ocupa ambos os países em semanas). E por último, a 22 de junho de 1941, o que devia ter acontecido primeiro – Invasão da União Soviética (Operação Barbarossa), marcando a maior campanha da guerra.

Em conclusão: o Chamberlain de setembro de 1939 que declarou guerra à Alemanha nazi é muito mais culpado do que o Chamberlain de Munique 1938, que assinou um acordo de paz que Hitler nunca tencionou cumprir. Porquê? Porque não estava em condições de fazer frente à Alemanha. Não por falta de equipamento militar, britânicos e franceses juntos eram provavelmente mais fortes do que os alemães.Mas sim porque os seus povos não estavam preparados para a batalha. Os alemães, pelo contrário, estavam no ponto, após mais de meia dúzia de anos a ser trabalhados pela propaganda nazi. Winston Churchill foi nomeado primeiro-ministro do Reino Unido a 10 de maio de 1940, no mesmo dia em que a Alemanha nazi invadiu a França, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo. Churchill é o político que mais admiro. Preparou mentalmente os britânicos para a guerra em modo EXPRESS. Tinha o dom da palavra. Assertivo e combativo. Um Senhor. Nem tudo lhe saiu bem. Nem 15 dias depois de assumir funções e já estava a lidar com o resgate de mais de 300 mil soldados aliados de Dunquerque. Foi um milagre, mas também a demonstração de que os aliados não estavam preparados para a guerra. Bem, factos históricos à parte. Moral disto. Não estás preparado para a guerra, não te metas nela. E esse foi o erro dos aliados em setembro de 1939. Foi declarar guerra à Alemanha nazi sem estar preparado nem ter uma estratégia efetiva de combate. Não tivessem declarado guerra logo em setembro de 1939, e a Alemanha nazi teria ficado entretida com a frente oriental durante muito tempo. Estaline ia sempre ser um osso duro de roer. Bem sei que a existência de 2 frentes enfraqueceu a Alemanha, mas teria sido mais prudente, e tudo bem pesado, mesmo depois da invasão polaca, optar pela via diplomática. Trump não é o Chamberlain de 1938. Trump está a tentar dividir a Ucrânia com Putin, como Estaline fez com Hitler em 1939. Eu ainda não sei quem desempenha o papel de quem. Não faz mal, lá haveremos de descobrir. mas sei quem está a fazer o papel de Chamberlain, tanto o de 1938, como o de 1939. A Europa. Inevitavelmente a Europa. Em 2014, e em 2022.