Breve abordagem à música dos videojogos

Este breve ensaio trata da música presente num dos principais tipos de media, os videojogos, temática esta que tem vindo a ser, cada vez mais, alvo de estudo e investigação por vários académicos e compositores envolvidos no mundo dos media.

Os videojogos são de origem bastante recente, tendo aparecido por volta de meados do séc. XX. No entanto, devido às limitações tecnológicas da época, não era possível a parte sonora apresentar características que garantissem impacto na questão da experiência no jogo em si. Contudo, com o tempo e o progresso extremamente rápida do mundo da tecnologia, o áudio foi evoluindo até se tornar num aspeto essencial para uma experiência de jogo memorável e emocionalmente profunda, sendo por isso merecedor de estudo. Com este trabalho, pretendo fazer uma ligeira abordagem a este tópico tão fascinante, passando por aspetos como as principais funções deste tipo de bandas sonoras e técnicas composicionais utilizadas nas mesmas. Apesar de breve, pretendo que esta seja uma análise que traga novas aprendizagens e curiosidades para outras futuras investigações. Para atingir estes objetivos, basear-me-ei em trabalhos de compositores e autores experientes na área, tais como Winifred Phillips, que escreveu músicas para títulos conhecidos como God of War (2005) e Assassin’s Creed III: Liberation (2012), e Tim Summers, um autor que escreveu obras dedicadas à investigação na área da ludomusicologia, a área de estudo académico focada na música para videojogos.

1. No interior da música para videojogos

Como qualquer tipo de género musical, a música presente nos videojogos tem as suas próprias características. Enquanto que nas outras formas de media e nos filmes existe uma sequência de acontecimentos pré-definidos, o desenrolar de ações em videojogos depende maioritariamente da intervenção do próprio espetador, neste caso um utilizador ativo. Desta forma, cria-se um laço de interatividade entre o jogo e o jogador e, tal como todos os aspetos que compõem um videojogo, a banda sonora tem de demonstrar certas características de modo a se adequar a tal laço e a conseguir cativar plenamente o utilizador. Como Tim Summers afirma:

As players, we want games to be more than simply interactive. We long for those times when a game is so utterly absorbing, we lose track of time and our surroundings – we prize games that give us that rewarding sense of deep involvement in a fictional construct and gameplay mechanism.” (Summers, 2016, p. 58).

1.1 Tipos de música dentro do jogo

Como mencionado, uma das características mais evidentes dos videojogos é a interatividade. No entanto, dizer apenas que a música é interativa não é de todo suficiente para abranger todos os comportamentos que o áudio num videojogo pode demonstrar. Existem vários graus de interatividade na música, que passarei a analisar de forma sucinta.

Primeiramente, é preciso compreender termos como “diegese” e “dinamismo” aplicados à música. Por um lado, um certo som, tanto um efeito sonoro como música, pode ser considerado “diegético” quando faz parte do mundo do videojogo em questão, isto é, as personagens fictícias estão conscientes de tal som: “Diegetic sound is defined as music that happens in the game and that, therefore, ‘belongs to the game world’” (Ziegler, 2015, p. 8). Por outro lado, áudio que não é diegético refere-se aquilo que acontece fora do mundo fictício, sendo, por isso, apenas ouvido pelo jogador. Duma forma geral, este tipo de áudio é utilizado para ajudar à imersão do jogador e apoiar as suas ações, isto é, como modo de guiar o jogador para um certo estado de espírito (Ziegler, 2015, p. 8).

Abordando agora a questão do “dinamismo”, este relaciona-se diretamente com a interatividade, uma vez que se refere a áudio que varia de acordo com certos acontecimentos no jogo. Tendo isso em consideração, é possível afirmar que, no caso da música não demonstrar nenhuma reação relativamente ao que se passa no ecrã, ou seja, permanecer inalterada, então não poderá ser considerada dinâmica. Outro aspeto específico à música deste media é a ausência de linearidade: ao contrário do que acontece nos filmes, por exemplo, é impossível, até um certo ponto, prever o desenrolar da ação nos videojogos, uma vez que esta depende das escolhas do jogador e, por isso, o áudio tem também esse caráter imprevisível (Ziegler, 2015, p. 7).

Existem ainda mais algumas formas de classificar tipos de áudio em videojogos. De acordo com Karen Collins (2008, p. 139), a música dinâmica pode ser dividida em música interativa e música adaptável. A primeira refere-se àquela que está ligada às ações do jogador, enquanto que a segunda está relacionada com o próprio jogo, respondendo a ordens e eventos pré-definidos no código do mesmo.

Podem existir também combinações entre estes termos, o que causa ainda mais dificuldade na classificação de cada tipo de áudio. Na tabela 1, baseada na apresentada por Ziegler (2015, p.8), é apresentado um resumo simples do conteúdo descrito nos parágrafos anteriores, com a presença de exemplos para cada uma das combinações provenientes da minha experiência pessoal enquanto jogadora.

Tipo de áudio Diegético Não diegético
Interativo Sons produzidos pelo jogador e audíveis dentro do mundo do jogo: blocos a ser partidos em Dragon Quest Builders 2 (2018). Sons produzidos pelo jogador, mas que não são audíveis dentro do mundo fictício: sequência que toca quando, por exemplo, o jogador encontra um objeto num dos jogos de Pokémon (1996-presente).
Adaptável Sons dentro do mundo do jogo que são ativados pelo próprio jogo: aparecimento do som de grilos à noite em Stardew Valley (2016). Sons fora do mundo do jogo que são ativados pelo próprio jogo: mudança da banda sonora do dia para a noite em Legend of Zelda – Breath of the Wild (2017).
Não dinâmico Som de fundo num local do jogo, sempre constante mas audível no mundo do jogo: jukebox no bar em Stardew Valley (2016). Áudio de fundo no interface: música no menu principal em Slime Rancher (2017).

Tabela 1: Tipos de áudio presente em videojogos.

1.2 Principais funções da música

Uma vez feita uma análise um pouco mais aprofundada dos vários tipos de áudio presentes nos videojogos, tentarei agora delimitar algumas das principais formas em que a música é utilizada e como é que funciona dentro da estrutura do jogo.

Que funções é que a banda sonora e o áudio podem ter num videojogo? Existem demasiadas respostas a esta pergunta, mas numa perspetiva simples, a música deve ser construída de modo a acompanhar o jogador enquanto este explora e experimenta o desenvolvimento da narrativa. Contudo, há também a possibilidade da música se expandir e deixar de ser apenas som de ambiente para se tornar num guia fulcral no progresso do jogador. Isto significa que, em vez de ser somente “barulho de fundo”, a música transmite indicações que o jogador interpreta e utiliza de modo a decidir a sua próxima ação. É, assim, criada uma interligação muito próxima entre a música e o jogador, num género de ciclo, já que, por sua vez, as ações deste podem ter um efeito na própria música:

“Communication of gameplay-relevant information is critical in games because it directly influences the gamer’s actions, which in turn can alter the musical output. If the information is itself delivered musically, a feedback loop is created that makes the relationship of the music and player into a kind of reactive dialogue, rather than a simple one-way transmission.” (Summers, 2016, p.121).

Assim, este tipo de funcionalidade da música é útil não só em termos lúdicos como também num sentido psicológico, apresentando mesmo carácter pedagógico: ao utilizar indicações sonoras, o jogador tem mais um ponto de apoio e permite que os outros sentidos, como o visual, não fiquem sobrecarregados de informação. Como Stevens explica, “we could say that in video games players engage in ludic listening, interpreting the audio’s system-related meaning in order to inform their actions.” (Stevens, 2021, p. 77). Também pode acontecer que, na situação de outros aspetos do jogo apresentarem limites tecnológicos, a música adquire uma importância ainda maior, pois fornece um apoio sonoro para o jogador. De acordo com Tim Summers (2016, p. 60), mesmo que a parte gráfica do jogo seja tecnologicamente limitada, a utilização de sinais e referências pré-estabelecidas através da música melhoram condicionalmente a experiência de jogo.

Outra das principais funções da música prende-se com a parte emocional e forma como esta é afetada, o que, por sua vez, contribui para a imersão do jogador no mundo fictício. Com uma banda sonora adequada, é muito provável que o jogador ganhe uma crescente afinidade com o mundo e as personagens que o rodeiam: “music has the power to assist the player in establishing a deeper psychological relationship with gameplay, both on a cognitive and emotive level.” (Phillips, 2014, p. 46). Para melhor demonstrar este efeito, dou como exemplo a banda sonora de Legend of Zelda – Breath of the Wild (2017). Neste videojogo de exploração, o jogador controla Link, um guerreiro que acorda com amnésia depois de estar em coma 100 anos. Como em todos os jogos da série de Legend of Zelda, o objetivo principal é derrotar o antagonista e salvar o reino, mas, desta vez, o jogador tem total liberdade para explorar o mundo como achar melhor, sem ter a obrigação de completar a missão “principal”. Aliada a esta liberdade está a dimensão do mundo em si, que é incrivelmente vasto e repleto de biomas diferentes, inúmeras construções em ruínas e inimigos. Ora, ao embarcar na sua aventura, o jogador é confrontado com este ambiente de solidão e ansiedade iminente, transmitidos principalmente através do áudio. Não só os sons do mundo são importantes, sendo os passos de Link, o chilrear de pássaros ou o vento a abanar as folhas das árvores alguns dos muitos exemplos, como também a música tem um papel fundamental na transmissão das sensações procuradas: em vez de uma sequência sinfónica épica ou uma melodia forte e inspiradora, a única música que se ouve enquanto Link vagueia pelo mundo solitário é um piano a solo que vai tocando sequências curtas de melodias muito simples, separadas por pausas longas e contemplativas. Assim, através de uma adequação do áudio ao ambiente, torna-se fácil e muito eficaz comunicar emoções e estados de espírito ao jogador: “video game music, like in movies, supports the mood and gives the feeling of immersion to the gamer.” (Ziegler, 2015, p. 6).

1.3 Técnicas de composição mais utilizadas

Nos últimos parágrafos, foram analisados alguns aspetos específicos relativos à música de videojogos, desde os diferentes tipos às suas principais funções. De modo a concluir este capítulo, virar-me-ei agora para detalhes relacionados com a composição das obras musicais presentes neste media, recorrendo à banda sonora do jogo Undertale (2015) para apresentar exemplos concretos.

Logo em primeiro lugar está o leitmotif, que é provavelmente uma das técnicas de composição mais utilizadas e que, quando aplicada de forma correta, é muito eficaz. Proveniente do séc. XIX, o leitmotif consiste numa sequência musical, seja esta melódica, harmónica, rítmica, ou as três, que está interligada a uma certa ideia, um objeto, uma personagem, um sentimento, etc. Esta técnica é associada principalmente a Richard Wagner, compositor alemão desse mesmo século, que se recorreu ao uso de tais frases musicais na construção das suas óperas, especialmente na tetralogia Der Ring des Nibelungen, o que permitiu uma coesão musicalmente competente entre as quatro partes da narrativa. Assim, tal como Wagner e vários outros compositores usaram o leitmotif para construir as suas obras, também os compositores atuais a aplicam em diversas bandas sonoras de media tecnológicos, não sendo os videojogos exceção. Tal como mencionado no subcapítulo anterior, a música pode ser muito útil para a experiência do jogador, guiando-o para o seu próximo objetivo. Ora, a razão principal deste fenómeno deve-se precisamente à aplicação do leitmotif. Dependendo de como é utilizado, o jogador tem a oportunidade de se conectar melhor ao mundo fictício, de ter reações emocionais perante uma certa melodia ou tema musical, de usufruir de uma experiência de jogo mais profunda do ponto de vista psicológico, ou até mesmo todas estas opções ao mesmo tempo. Quer esteja ligado a uma personagem, a um local, a um evento, a um objeto ou a um sentimento, o certo é que, ao chegar aos ouvidos do jogador, um leitmotif terá sempre um grande impacto na sua experiência. De acordo com Phillips (2014, p. 47), “[m]usical themes are ideally positioned to help game players mentally organize the game world and emotionally interact with it”. Outro aspeto importante do uso do leitmotif relaciona-se com a interligação de eventos dentro do jogo. Normalmente, são necessárias bastantes horas, distribuídas ao longo de vários dias, para completar um videojogo, mesmo que o jogador se foque apenas nos objetivos principais. Por essa razão, a repetição de temas musicais ao longo da narrativa é fundamental de modo a que o jogador associe acontecimentos uns aos outros e se lembre daquilo que ficou para trás – “[…] theme music can be employed throughout the game acting as a form of continuity between scenes and as a bridge between previous scenes, helping the player remember key moments in the game.” (Dutta, 2020, p. 34-35). Além disso, o leitmotif pode também ser útil para criar uma sensação de antecipação ao jogador, tornando possível a previsão de um certo acontecimento de acordo com o tema musical ouvido. Este aspeto é confirmado por Vikram Dutta (2020, p. 34), que afirma que o “[…] leitmotif [can] be used to foreshadow the appearance of a character or an event in a video game”. Relacionadas com a ideia do leitmotif estão outras técnicas comuns como a utilização de variações dos temas e escolhas de orquestração. Tais técnicas são apenas formas de implementar o leitmotif de modo a que este não se torne demasiado óbvio ou repetitivo, um problema comum com que os compositores deste tipo de música se deparam:

Repetition fatigue occurs when a memorable or recognizable melody ceases to be entertaining and becomes an annoyance, either because the repeating track in which the melody appears is too short, or the track itself is repeated too often.” (Phillips, 2014, p. 43).

Assim, com a aplicação de variadas técnicas, é possível reutilizar material temático de uma forma eficaz e produzir na mesma os efeitos psicológicos ou emocionais desejados num certo momento da narrativa.

Vejamos um exemplo mais concreto daquilo que foi exposto no parágrafo anterior na banda sonora do jogo Undertale (2015). A narrativa deste videojogo não é muito complexa: uma criança humana, a protagonista, cai num reino subterrâneo, habitado por monstros, que foram forçados a viver debaixo de terra pelos humanos. O jogador tem o papel da criança e o objetivo principal é atravessar o reino subterrâneo de modo a regressar à superfície. No entanto, este videojogo é peculiar num aspeto: as escolhas do jogador afetam de tal modo a narrativa que pode transformar um jogo aparentemente inocente num pesadelo horrível. Apropriadamente, a música demonstra mudanças adequadas a estas opções principais e o impacto emocional que a utilização do leitmotif tem na experiência do jogador é devastador, seja qual for o final da história.

Dou como exemplo o leitmotif de uma das personagens, Alphys, a cientista da corte real que, apesar de ser brilhante e aparentemente bem sucedida, é muito insegura relativamente às suas aptidões. Assim, a faixa musical que se ouve quando o jogador a conhece pela primeira vez, intitulada Alphys, é uma peça com um caráter leve e até com um tom cómico. A instrumentação é digital e os timbres eletrónicos ouvidos fazem lembrar máquinas e tecnologia. Formalmente, a peça está dividida em três partes, apresentando três melodias animadas em cada uma delas. A primeira é representada por esta simples sequência:

A close-up of a music note

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Fig. 1 Leitmotif da personagem Alphys, na faixa Alphys.

Música composta por Toby Fox.

https://www.youtube.com/watch?v=xG2AtyD3elY

Esta é a primeira melodia que o jogador ouve ao encontrar a personagem e, desta forma, inicia-se de imediato um processo de associação psicológica entre a música e a personagem. No entanto, num momento posterior da narrativa, o jogador apercebe-se que as inseguranças da personagem têm, afinal, uma justificação, descoberta que ocorre quando se depara com uma secção escondida do laboratório dela. Ao explorar este novo local, escuro e misterioso, o jogador descobre todos os segredos que Alphys escondia, incluindo experiências falhadas para ressuscitar monstros que haviam morrido. Ora, perante este ambiente de tensão e conflito emocional, a música toma também um caráter mais fechado e sombrio, adequado a esta mudança de cenário. Assim, na faixa em questão, Here We Are, são reutilizadas as melodias da faixa mencionada no parágrafo anterior, assim como o leitmotif principal, que sofre alterações drásticas na forma como representa a personagem.

A picture containing line

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Fig. 2 Leitmotif transformado da personagem Alphys, na faixa Here We Are

Música composta por Toby Fox.

https://www.youtube.com/watch?v=y49b8aiQVBg

Aqui, as células rítmicas têm uma duração maior, o compasso sofreu uma mudança e a melodia ouve-se agora num registo mais grave. Além disso, nas faixas originais, é também importante mencionar a alteração em termos de orquestração: enquanto que em Alphys os timbres são suaves, fazendo lembrar máquinas e jogos antigos, em Here We Are, são ouvidos sons eletrónicos mais pesados, em registos graves, e o leitmotif transformado é apresentado em timbres vocais. É principalmente este último aspeto que dá à peça um caráter perturbador: é como se as vozes presentes na música fossem os lamentos das almas dos monstros que foram utilizados nas experiências. Como indica Phillips (2014, p. 43), “[c]hanging the instrumentation is the simplest of all thematic alterations, but can be highly effective.

2. Videojogos versus Cinema

Música e áudio estão presentes em inúmeros tipos de media tecnológicos e, sendo o cinema um dos géneros principais, é natural que tenha uma influência bastante grande nas composições para videojogos. De facto, como afirma Tim Summers (2016, p. 143), videojogos são de certa forma algo semelhantes a filmes, no sentido em que ambos pretendem apresentar narrativas audiovisuais. Deste modo, muitos compositores de música para videojogos baseiam-se na estética e na sonoridade das composições para o cinema, fazendo adaptações posteriores ao media em questão. É também comum haver “réplicas” de material musical de um media para o outro, principalmente quando é criado um jogo baseado num certo filme ou série televisiva.

No entanto, como foi explicado no capítulo anterior, há certas características que são únicas aos videojogos e, por essa razão, não se pode fazer uma transferência direta da música entre estas duas formas de media. Ao contrário do que acontece em filmes e na televisão, os videojogos não têm uma narrativa linear, devido ao seu caráter interativo, e, assim, não são sempre completamente previsíveis: “[Non-linearity] describes the character of video games as not entirely predictable and therefore not linear, unlike movies” (Ziegler, 2015, p. 7). Tim Summers argumenta que, apesar da necessidade de se adaptar o material musical ao trabalhar com os dois tipos de media diferentes, dado as características específicas, é importante não as separar completamente, já que a maior parte dos jogadores acaba por ser também espetadora no mundo do cinema, trazendo por isso muitas referências musicais dos filmes. Este autor relembra também, e indo ao encontro daquilo que foi exposto anteriormente, que os videojogos funcionam com a interligação entre elementos lúdicos e narrativos, sendo necessária por isso uma abordagem ligeiramente diferente ao aplicar-lhes as regras musicais:

“[…] games usually seek to make narrative elements relevant to the gameplay mechanics, and the ludic components narratively relevant. […] One way in which this musical function has been fulfilled is through the use of musical materials and tropes from film and television music (as highly narrativized media) to apply a narrative frame to the ludic gameplay” (Summers, 2016, p. 144-145).

Com todas as suas diferenças, a música para videojogos e para cinema tem os seus pontos comuns, especialmente em termos das técnicas utilizadas na composição. Uma destas é a chamada Mickey mousing, um efeito que, de acordo com Zach Whalen (2004)[1], “occurs in both animated and live-action cinema when the music provides a synchronized, aural imitation of what is happening on the screen […]”. Isto significa, por exemplo, que, num segmento, a música apresentaria uma melodia ascendente quando uma personagem sobe umas escadas, criando assim um género de relação interativa entre o áudio e a imagem, conforme complementa Ziegler (2015, p. 5). Outra técnica comum é a mood technique, que tem como princípio transmitir à audiência um ambiente emocional pré-definido de forma a que esta experimente uma imersão mais acentuada. Finalmente, a técnica mais comum, e como já seria de esperar, é o leitmotif e o efeito enorme que uma boa aplicação deste pode ter. Tal como foi explorado no capítulo anterior, a reutilização de material temático é sempre fundamental para cativar a audiência num nível mais emocional. Do mesmo modo que esta técnica tem um grande impacto na banda sonora de um videojogo, o mesmo acontece com a banda sonora de um filme. Por exemplo, na banda sonora de Puss in Boots: The Last Wish (2022), o leitmotif associado ao Lobo, que na realidade simboliza a morte, é uma melodia extremamente simples: contém apenas um arpejo de sol maior e ré maior, fazendo um movimento de I – V, sem resolver. Fora de contexto, esta sequência de notas ouvidas num assobio não provoca efeito algum no ouvinte, mas, no contexto do filme, a audiência experimenta sensações de medo e ansiedade cada vez que a melodia aparece, como é de esperar de uma personagem representativa da morte.

Desta forma, a aplicação destas técnicas composicionais cria uma aproximação entre a música composta para o cinema e para os videojogos que, embora com características e necessidades de abordagem diferentes, recorre a estratégias semelhanças para capturar a atenção da audiência e transportá-la para o interior dos mundos fictícios expostos no ecrã.

Bibliografia

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Greenfield-Casas, S. (2017). Between Worlds: Music Allegory in Final Fantasy X. Austin, Texas: The University of Texas at Austin.

Jorge, R. P. (2003). A música dos videojogos. ReCiL – Repositório Científico Lusófona.

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Redecker, B. (2022). Game Music as a Boundary Object. in Journal of Sound and Music in Games, Vol. 3, Number 1, pp. 36-49. Society for the Study of Sound and Music in Games.

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Whalen, Z. (2004). Play Along – An Approach to Videogame Music. in Game Studies, Vol. 4, issue 1. (retirado de https://www.gamestudies.org/0401/whalen/).

Ziegler, J. (2015). Evolution of Game Music – A look at characteristic elements of music in video games across time (Tese de licenciatura). Hochschule Mittweida, University of Applied Sciences.

  1. Extraído de https://www.gamestudies.org/0401/whalen/