Em revisita ao livro comemorativo dos 50anos do “Grupo Folclórico de Vila Verde” de 2008 (que inclui CD com reportório tradicional), é incontornável não deitar olhos e ouvidos ao tema “Malhão de ir ao Meio”. Um tema tradicional cuja a letra é de autor desconhecido, sendo a versão apresentada em livro provavelmente uma das muitas variantes que a tradução oral foi mantendo viva. Salientando-se ainda que na versão deste tema gravado em CD, são acrescentados versos que não constam na peça escrita, o que denota logo aqui o sentido livre e dinâmico da musica tradicional per se. Não obstante da versão constante no dito livro, o que aqui importa é a mensagem de pragmatismo, a ideia metafisica do misticismo étnico que apela à virtude, à moderação, ao consenso de ir e estar no meio (equilíbrio). Calma com o empolgamento esotérico ou intelectual, estamos a falar de uma musica tradicional minhota, tudo o que foi dito anteriormente está envolto numa aura de sátira, subjectividade e brejeirice. Estas formas de expressão foram indispensáveis na tradição oral para passar mensagens de geração em geração, dispondo da boa disposição para esquecer o penoso acto do trabalho, nomeadamente aqui o de “malhar” (leia-se sem aspas). Este tipo de musica e letra eram cantadas em actividades agrícolas pesadas que o próprio tema relatava, com uma vivacidade que cabe ao minhoto.
Cada vez mais preocupados com questões ambientais e cada vez mais longe do “ambiente”, dos ciclos da natureza e da “vida boa” Aristotélica, vivemos no “feliz” caminho dos extremismos ignorantes. Sabedoria, moderação e temperamento são luzes que se apagam e calam nos dias de hoje. A “vida boa” dá muito trabalho, exige destreza intelectual, aclama imaginação, pede espirito critico, iniciativa individual (primeiramente) e comunitária (posteriormente), em simbiose maioritariamente.
Malhar certinho na competição de cada dia, como estimulo para a inovação, eficiência e prosperidade, é este também o caminho que nos leva a ter “Saudades do Futuro” como dizia Teixeira de Pascoaes.
“Rapazes malhai certinho
Para sermos os primeiros
Olhai que quem fica para trás
Logo lhe chamam begueiro
E para trás mija a burra
Mija a burra do moleiro”
(versos do Malhão de Ir ao Meio)
A comunidade cria o individuo, o individuo cumpre-se florescendo numa comunidade que o incita a tal, só então o individuo estará em condições de retribuir à comunidade o que esta lhe legou. Entenda-se que não falo das questões meramente económicas em que caiu a governação da polis destes dias. Nem tão pouco da visão marxista, que quer impor uma igualdade materialista usurpando tudo até possuir o próprio individuo, ignorando que jamais seremos iguais. Não se confunda de igual forma que advogo aqui a lei do mais forte e de um nacional socialismo no seu mofo igualmente déspota. O que vos falo é de um estado de espirito interrompido, de um malho que deixou de ir à eira, de saberes que há quem os queira esquecidos, substituindo-os por uma educação que já nega a realidade e o factual.
Substituamos então a educação, para voltarmos à instrução, como recomendava Agostinho da Silva.
“Rapazes e Raparigas
A virtude está no meio”
“Olhai que é no meio
Que mais se estraga o centeio”
(versos do Malhão de Ir ao Meio)
Almejaremos o cerne do equilíbrio, não conduzindo os aprendizes, mas incrementando-os para que possam fruir libertos e conscientes de que é seu dever e virtude voluntariamente contribuir para que outros floresçam e possam fruir. Longe de ideologias que se querem impor sobre todos os indivíduos de forma coerciva e tirânica. Bater nos extremos, é estar nos extremos, é um acto tresloucado que leva à escassez de tudo e de todos, de bestialidade inaudita onde ninguém logra. Por outro lado e em contraposição, com o salvaguardar do meio para que não se estrague o “centeio”, haverá equilíbrio “bom e suficiente para todos” (qualquer referencia a J.Lock é casual).
Que comece assim a germinar neste malhão a semente “Para sermos os primeiros”, espontâneos senhores dos seus destinos, filantropos voluntários da comunidade que deixará mais e melhor para os vindouros. E que não fiquemos apenas pela retórica e pelas intenções, porque para esses o Malhão de ir ao meio também deixa o seu recado.
“Toda a gente foi ao meio
Só menos o que cantou
Por isso quem foi begueiro
Foi aquele que aqui ficou”
(versos do Malhão de Ir ao Meio)
Nota: Por coincidência um dos prefácios do livro aqui abordado foi indigitado como ministro da agricultar e pescas; tínhamos fé que não soubesse só cantar.