Da Natureza da Monarquia: Excertos de Joseph de Maistre

“Pode ser dito, no geral, que todos os homens nascem para a Monarquia. Este Governo é o mais velho e mais universal. Antes do tempo de Teseu, não havia questão de Repúblicas no mundo; a Democracia, especialmente, era tão rara e fugaz que parece permissível ignorá-la. O Governo .Monárquico é tão natural que os homens identificam-no com a soberania sem sequer perceberem; eles parecem tacitamente concordar que não há soberania verdadeira onde não há Rei. Esta observação é especialmente impressionante (…). Opositores da origem divina sempre circundam contra os Reis e falam apenas de Reis [e não, por exemplo, de Presidentes]. Eles não querem acreditar que a autoridade dos Reis vem de Deus; mas não é uma questão de realeza em particular: é uma questão de soberania em geral. Sim, toda a soberania vem de Deus; seja em que .forma existir, não é um mero trabalho de homens. É uno, absoluto e inviolável pela sua natureza. Por que razão é, então, uma questão de realeza, como se os inconvenientes confiados a opor este sistema não fossem os mesmos em todos os tipos de Governo? Isto é porque, dizendo novamente, a Monarquia é o Governo natural, e é confundido com a soberania em um discurso usual, descartando outros Governos, como a exceção é negligenciada por constatar a regra geral. Devo observar nesta matéria que a divisão vulgar de Governos em três espécies, monárquico, aristocrático e democrático, repousa inteiramente num preconceito Grego que apreendeu as escolas da Renascença, e que ainda não descobrimos como o desfazer. Os Gregos viam sempre o mundo inteiro na Grécia; e como estes três tipos de Governo balanceavam os outros o suficiente no país, o estadista desta Nação imaginou a divisão geral que afirmara acima. Mas se queremos ser exatos, a lógica rigorosa não nos permite estabelecer um género numa exceção: e, para dizer com precisão, devemos referir: ‘Os homens no geral são governados por Reis. No .entanto, nós vemos Nações onde a soberania pertence a muitos, e estes Governos podem autointitular-se de aristocratas ou democratas de acordo com O NÚMERO de pessoas que formam O soberano’. Os homens devem ser sempre relembrados da história, que é o primeiro mestre na política, ou melhor, o único. Quando nós dizemos que os homens nascem para a liberdade, nós proferimos uma frase desprovida de sentido. Se um ser de uma alta ordem assumisse a ‘história natural do homem’, certamente está na história dos factos que ele procuraria por instrução Quando ele descobre o que o homem é, e o que ele sempre tem sido, o que ele faz e o que ele tem feito, ele escreveria; e sem dúvida ele rejeitaria a ideia louca que os homens não são o que deveriam ser e que este Estado é contrário às leis da Criação. A História é a Política experimental, diga-se, a única boa política; e assim como na física uma centena de volumes de teorias especulativas desaparecem antes de um só experimento, também na ciência política nenhum sistema pode ser admitido se não é mais ou menos corolário de factos verificáveis. Se alguém pergunta qual é o Governo mais natural aos homens é, e a história assim responde: é a Monarquia. Este Governo tem as suas desvantagens, sem dúvida, como todos os outros; mas todas as declarações que enchem os livros modernos destes tipos de abusos são lamentáveis. É o orgulho que as gera, não a razão. (…) Os tópicos das Monarquias não estão reduzidos a salvarem-se do desespero por meditações filosóficas; eles têm coisas melhores para fazer, que é inundar-se com a excelência deste Governo, e aprender a não invejar nada dos outros .Rousseau, que durante a sua vida não conseguiu perdoar Deus por não lhe haver feito duque ou nobre, mostrou muita angústia contra um Governo que é baseado em distinções. Ele reclama principalmente da sucessão hereditária, que expõe povos ‘a arriscarem-se a ter filhos, .monstros, e imbecis como Governantes para evitar disputas em vez da escolha de bons Reis’. Não temos necessidade de responder à objeção deste camareiro, mas é útil observar o quão apaixonado estava este homem com as suas próprias ideias da ação humana. ‘Quando um Rei morre’, diz ele, ‘outro é necessário; as eleições deixam intervalos perigosos; elas são tempestuosas, a intriga e a corrupção são introduzidos. É difícil para aquele a quem o Estado não foi vendido, não o vender em seguida, etc… O que tem sido feito para prevenir estes males? As .Coroas têm sido feitas hereditárias em algumas famílias, etc’. Não seria dito que todas as Monarquias foram primeiramente eletivas, e que as Nações, considerando a desvantagem infinita deste Governo, decidiu posteriormente, ‘na sua sabedoria’, na Monarquia hereditária? Nós .sabemos como esta suposição deleita-se na história; mas este não é o ponto. O que é importante repetir é que nenhum povo jamais ‘se deu’ um Governo; que todas as ideias de convenção e deliberação, e que todas as soberanias são criações, são quiméricas. (…) Passemos a examinar as principais características do Governo Monárquico. Mirabeau dissera algures no seu livro da Monarquia Prussiana: ‘Um Rei é um ídolo que é ali colocada’. Pondo de lado a repreensível forma do seu pensamento, ele está certo. Sim, sem dúvida, o Rei está ali, no centro de todos os poderes, como o Sol está ali no centro dos planetas: ele governa e inspira. A Monarquia é uma aristocracia centralizada. Em todos os lugares e feitios, a aristocracia comanda. Qualquer forma que seja dada aos Governos, a riqueza e o nascimento são sempre colocados em primeiro plano, e em lado algum eles governam mais rigidamente do que quando o seu Império não é fundado na lei. Mas numa Monarquia, o Rei é o centro da aristocracia; é, de facto, a aristocracia que comanda, como em todos os sítios; mas comanda em nome do Rei, ou se .preferirem, o Rei é iluminado pela luz da aristocracia. (…) Podemos assegurar-nos que o Governo de Um é onde os vícios do Soberano têm menos influência no povo governado. (…) A vontade do Rei está longe de ser permitida a fazer tudo na Monarquia. É suposto fazer tudo, e essa é a maior vantagem deste Governo, mas de facto serve, acima de tudo, para centralizar o conselho e a iluminação. Religião, leis, costumes, opinião, e os privilégios corporativos restringem o soberano e previnem-no a abusar do poder; é muito notável pensar que os Reis são muito mais acusados de carecer vontade do que de abusá-la. É sempre a assembleia do príncipe que governa. A aristocracia piramidal que administra o Estado em Monarquias tem características particulares dignas da nossa atenção. Em todos os países e em todos os possíveis .Governos, os altos oficiais sempre pertencerão (com exceções) à aristocracia, diga-se, à ‘realeza’ e à riqueza, frequentemente unida. Aristóteles, dizendo que ‘assim deve ser’, enuncia um axioma política que o simples senso comum e a experiência das Idades impedem-nos de .duvidar. Este privilégio da aristocracia é mesmo uma lei natural [Cicero, de Legibus, III, 17] (…)”

“Ora, uma das grandes vantagens dos Governos Monárquicos é que com elas a aristocracia perde, tanto quanto a natureza das coisas o permite, tudo o que pode ser ofensivo para as classes inferiores. É importante entender as razões para isto. 1) Este tipo de aristocracia é legal;. é uma parte integral do Governo, todos assim sabem, e não desperta na cabeça de ninguém a ideia de usurpação e injustiça. Nas Repúblicas, pelo contrário, a distinção entre pessoas existe como nas Monarquias, mas de maneira mais brusca e mais caluniosa, porque não é o trabalho .da lei, e porque a opinião pública considera tal como uma habitual insurreição contra o princípio da igualdade admitida pela Constituição. (…) 2) Visto que a influência da aristocracia hereditária é inevitável (a experiência das Idades não deixa dúvidas), o melhor que pode .ser imaginado para privar esta influência, podendo ser demasiado aborrecida ao orgulho das classes mais baixas, é que não deve ser estabelecida uma barreira intransponível entre Famílias no Estado, e que nenhuma delas deve ser humilhada por uma distinção que jamais poderá. .usufruir. Ora, este é precisamente o caso com uma Monarquia gerida sob boas leis. Não há família cujo mérito não possa capacitá-la a passar do segundo escalão para o primeiro, independentemente desta lisonjeira agregação, onde, onde, antes de ter adquirido a tempo a. influência que de fato lhe é devida, todos ou pelo menos uma série de cargos no Estado são acessíveis pelo mérito, que toma o lugar e estreita as distinções hereditárias. O movimento da ascensão geral que puxa todas as famílias perante o Soberano e que constantemente preenche .os vazios deixados por aqueles que partiram; este movimento, digo, promove uma emulação salutar, atiça a chama da honra e toma todos as ambições dos indivíduos defronte ao Bem do Estado. 3) E esta ordem de coisas parecerá ainda mais perfeita se nós considerarmos que a. .aristocracia de ofício e nascimento, já tornados muito gentis pelo direito que pertence a qualquer Família e a qualquer indivíduo de usufruir, por sua vez, as mesmas distinções, permanece perdendo tudo aquilo que é demasiado ofensivo às classes baixas, pela supremacia. universal do Monarca, antes de quem nenhum cidadão é mais potente que outrem; o Homem do povo, que se encontra insignificante comparado a um grande lorde, compara-se ao Soberano, e este título de súbdito submete ambos ao mesmo poder e à mesma justiça, um tipo de igualdade que .embota a inevitável dor do respeito a si mesmo. Nestas duas últimas efemérides, o Governo aristocrático cede a Monarquia. Na última, uma única Família é separada de todas as outras por opinião, e é considerada, ou talvez considerada, como pertencentes a outra natureza. A. .grandeza desta Família não repudia ninguém porque ninguém se compara a ela. No primeiro caso, pelo contrário, a Soberania residindo na cabeça de vários homens, cuja chance de se fazer um membro da Soberania é suficiente para causar inveja, mas não de reprimí-la. No Governo. .de muitos, a Soberania não é uma UNIDADE, e embora as partes que a compõem teoricamente representam a UNIDADE, elas estão longe de criar a mesma impressão na mente. A imaginação humana não entende este ‘todo’, que é apenas um ser metafísico; pelo contrário, toma o prazer de. .detalhar cada unidade deste todo geral, e o súbdito respeita tanto menos uma soberania cujos elementos tomados separadamente não estão suficientemente acima dele. Por isso, a Soberania nestes tipos de Governo não têm a mesma intensidade, nem, consequentemente, a mesma força. .moral. Por isso também os ofícios, diga-se, o poder delegado pelo Soberano, obtêm no Governo de Um uma consideração extraordinária particular à Monarquia. No Governo de muitos, os ofícios ocupados pelos membros do Soberano gozam da consideração apegada a esta qualidade. É o. .homem que honra o ofício, mas entre os subordinados destes Governos, os ofícios elevam os seus ocupantes muito pouco acima dos seus companheiros, e não o levam mais próximo aos membros do Governo. Na Monarquia, os ofícios, que refletem uma luz mais brilhosa nas pessoas,. deslumbram mais: eles fornecem uma intensa carreira de todo o tipo de talentos e preenche o vazio que de outra forma manter-se-ia, entre a Nobreza e o Povo. No geral, o exercício do poder delegado emerge sempre o servente civil fora da classe onde fora fixado pelo nascimento, .mas o exercício do alto oficialato em particular emerge o novo homem à primeira classificação [rank] e prepara o mesmo para a Nobreza. Se o indivíduo colocado pelo capricho do nascimento na segunda classificação não quer contentar-se com a possibilidade de passar à primeira, .e com os meios suplementares fornecidos pelos ofícios, pela sua fazedura dependente no tempo, tão longe quanto a natureza o permita, está claro que este homem é doente, e, consequentemente, não temos nada a dizer ao mesmo. Em suma, pode ser dito sem exageros que a Monarquia. .envolve tanto e talvez até mais ‘liberdade’ e ‘equidade’ que qualquer outro Governo, o que não significa que a Poliarquia não contenha um MAIOR número de homens mais livres do que é geralmente no caso das Monarquias, mas essa Monarquia faz ou pode dar mais liberdade e. .equidade a um MELHOR número de homens, que deve ser bem notado. Em relação ao vigor deste Governo, ninguém reconhece melhor que Rousseau. ‘Todos respondem’, diz ele, ‘ao mesmo motivo, todas as engrenagens estão nas mesmas mãos, tudo marcha para o mesmo objetivo; não há. .movimentos opostos que se destroem, e ninguém pode imaginar alguma Constituição em que menos esforço produza uma maior ação. (..)’ O Governo Monárquico é precisamente aquele que melhor funciona sem a aptidão do Soberano, e isto é talvez a primeira das suas vantagens. (..) Os .homens não a criaram, porque eles não criam nada; é o trabalho do Grande Geómetra que não necessita o nosso consentimento para averiguar os seus planos, e o maior mérito da máquina é que um homem medíocre pode colocá-la em ação. Esta palavra ‘Rei’ é um talismã, um poder. .mágico que dá toda a força e aprimora a direção central. Se o Soberano tem grandes talentos, e se a sua ação individual pode contribuir imediatamente ao movimento geral, sem dúvida, isso é bom, mas em vez da sua ‘pessoa’, o seu ‘nome’ é suficiente. Enquanto a aristocracia é. .sã, enquanto o nome do Rei é sagrada à mesma, e enquanto ela ama a Realeza com paixão, o Estado é inabalável, quaisquer que sejas as qualidades do Rei. Mas assim que perder a sua grandeza, o seu orgulho, a sua fé, o espírito é afastado, a Monarquia é morta e o seu cadáver é. .deixado às larvas (…)”

in ‘Estudo da Soberania’, de Joseph de Maistre