A história de uma nação constrói-se não apenas pelos actos de bravura ou pelo génio de alguns, mas também pelas suas derivas de decadência e pelos estertores das suas classes dirigentes em fim de ciclo. Em Portugal, quando se pôs termo ao Estado Novo através do golpe militar de Abril de 1974, assistiu-se à substituição de uma elite conservadora, alicerçada militarmente na icónica brigada do reumático, por uma nova casta saída dos ventos do Maio de 68, impregnada de igualitarismo militante, utopismo internacionalista e vocação marxizante. Esta geração ascendente proclamou-se detentora de uma nova ética política e, rejeitando o autoritarismo e a tradição, abraçou o relativismo, o progressismo pedagógico e uma ingénua crença nas virtudes da planificação social. Passados mais de cinquenta anos de governação directa e indirecta, o edifício construído revela todos os sinais de ruína iminente. A sua arquitectura política e moral revela-se obsoleta, desconexa da realidade e cada vez mais irrelevante. Encontramo-nos perante um regime cansado, incapaz de se renovar, forte candidato à extrema unção política. Este quadro de decomposição manifesta-se em múltiplos aspectos, desde o aumento da dívida pública, a estagnação económica, o declínio cultural e a apatia generalizada. Governado por burocratas desinspirados e elites descomprometidas com o interesse nacional, Portugal caminha paulatinamente em direcção ao abismo.
A gerontocracia que nos rege é, em certo sentido, irónica. A antiguidade e a velhice sempre estiveram associadas à sabedoria e ao discernimento amadurecido pelo tempo. Contudo, não podemos ignorar que a longevidade biológica traz igualmente consigo os declínios hormonais, a lassidão mental e a senilidade comportamental. Uma existência mais longa não se traduz necessariamente numa melhor capacidade intelectual, nem numa consciência mais aguçada do mundo. Por vezes, significa apenas a persistência de corpos esgotados em cargos de comando, agarrados a ideologias fossilizadas e incapacitados para compreender os desafios do presente. Entre os poucos sinais positivos figuram as anunciadas alterações ao regime de aquisição da nacionalidade. As propostas recentes, mais restritivas, são bem acolhidas por aqueles que reconhecem a necessidade urgente de travar a substituição populacional em curso. No entanto, este aparente despertar é rapidamente desmentido pela pressão dos interesses económicos organizados. Como veio a público, as confederações patronais reuniram-se com o primeiro-ministro Luís Montenegro para manifestar o seu receio de que as novas regras travem a entrada de imigrantes, considerados essenciais para sustentar o modelo económico vigente.¹ ² Assim, em contradição gritante, enquanto se aponta timidamente para a preservação da identidade nacional, perpetua-se uma lógica de crescimento baseada na importação de mão-de-obra barata oriunda do Terceiro Mundo.
Tal como em muitos países europeus, a classe política portuguesa opta por soluções imediatistas, subordinadas ao conforto dos grandes interesses da hotelaria, da agricultura intensiva e do sector dos serviços, ignorando os custos sociais, culturais e civilizacionais a curto, médio e longo prazo. Este fenómeno não é exclusivo de Portugal, e a Europa como um todo encontra-se refém de gerontocracias, não apenas no sentido etário, mas sobretudo mental. As ideias dominantes envelheceram e tornaram-se hostis à continuidade da civilização que as gerou, e o envelhecimento demográfico avança a par da aversão ao esforço, da glorificação do hedonismo e do desprezo pelo trabalho. Em lugar de se promoverem políticas de responsabilidade, de redução do aparelho estatal, de alívio fiscal, de aposta em sectores de valor acrescentado como a inteligência artificial ou a automatização, insiste-se na dependência estrutural de populações exógenas, culturalmente alheias e frequentemente ideologicamente incompatíveis. A Itália de Meloni, por exemplo, prepara-se para emitir meio milhão de vistos de trabalho para cidadãos não pertencentes à União Europeia ao longo dos próximos três anos.³ A Hungria de Orbán, embora proclame uma ideologia hostil à imigração em nome da reposição demográfica interna, tem na prática adoptado uma postura paradoxal, recrutando discretamente trabalhadores estrangeiros para suprir carências no mercado de trabalho.⁴
Passámos assim da lógica do cidadão nacional, vinculado a uma herança, uma cultura e um destino comum, para a do indivíduo atomizado, abstraído da sua história e definido exclusivamente pelas suas carências materiais. O conceito de povo foi dissolvido na linguagem fria dos mercados, e o cidadão, outrora sujeito político e membro de um corpo vivo, é hoje reduzido à figura do consumidor. Tornou-se um mero actor económico, descartável, permutável, desprovido de enraizamento e alheado de qualquer dever colectivo. Neste paradigma mercantilista e despersonalizado, a nação deixa de ser um organismo moral e transforma-se num somatório arbitrário de necessidades e desejos, administrado segundo critérios de eficiência estatística e produtividade abstracta. A vida partilhada reduz-se a estatísticas e balanços, e o vínculo comunitário desfaz-se em fragmentos, dando lugar a um individualismo frio, à ilusão do conforto permanente e ao esquecimento lento de tudo o que une.
Frente a esta dissolução, importa recordar que toda a mudança autêntica nasce no foro íntimo, e não é por decreto nem por injunção externa que um indivíduo ou povo se reergue. Uma alvorada exige uma metanóia, uma verdadeira transformação interior, que ponha fim à lógica da delegação passiva e da esperança messiânica, e reabilite a vontade, o labor disciplinado, o espírito de sacrifício e a fidelidade às raízes. Apenas com esta atitude será possível romper o ciclo de decadência e entrar de novo no caminho da vitalidade e do crescimento sustentável. Sem ela, nenhuma política nos salvará, nenhuma estatística nos elevará, nenhuma fronteira nos protegerá. Se nada for alterado no íntimo do ser e na substância da cultura, permaneceremos condenados a definhar, não por força de agressão externa, mas por apatia e rendição interior. Entregues a espíritos exaustos e nutridos por ideias gastas, tornar-nos-emos estranhos na nossa própria casa e sombras errantes numa terra que já não nos reconhece. Até que o solo que nos viu nascer deixe de ser pátria viva e se transfigure, sem alarde, em relicário arqueológico daquilo que fomos. E então, quiçá demasiado tarde, choraremos a extinção da civilização que soube outrora ser altiva, harmoniosa, fecunda, intrépida e luminosa.
Referências
1- https://expresso.pt/economia/trabalho/2025-06-25-patroes-temem-que-regras-para-a-imigracao-travem-contratacoes-necessarias-depois-de-o-governo-avisar-que-a-economia-tera-de-se-adaptar-b43bf423
2 – https://sicnoticias.pt/pais/2025-07-02-video-montenegro-tem-primeira-reuniao-com-patroes-e-sindicatos-greve-e-imigracao-em-cima-da-mesa-ea3efe15
3 – https://www.reuters.com/world/italy-issue-half-million-non-eu-work-visas-over-next-three-years-2025-06-30
4 – https://www.politico.eu/article/fortress-hungary-surprising-answer-population-crisis-migration
