Texto de Miguel Oliveira, doutorado em Estudos Americanos, estudioso da vida e obra do escritor John Dos Passos, Professor Associado no Instituto Superior de Gestão, docente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e formador na Assembleia da República. Autor de uma dezena de livros de géneros variados que se estendem desde o dramático ao lírico, narrativo a textos dissertativos e informativos. Imagem: o escritor John Dos Passos, em fotografia gentilmente cedida pela família ao autor.
John Dos Passos evocou com algum orgulho em ter entrevistado dois brasileiros de grande importância, cuja ascendência era nitidamente estrangeira: Juscelino Kubitschek, “um dos principais políticos”, e Oscar Niemeyer, “o arquitecto mais conhecido” do Brasil, que tinha todo o “tipo de sangue europeu” que “formava a sua árvore genealógica”.
Kubitschek que era filho de imigrantes da Europa Central e de mãe brasileira venceu as eleições presidenciais do país. Embora os seus pais não eram abastados, o jovem Juscelino conseguiu mesmo assim prosperar, segundo Dos Passos, por ter sido trabalhador. Kubitschek entrou na faculdade de medicina em Belo Horizonte. Mais tarde estudou em Paris (turismo educacional). Ao voltar para o Brasil, foi nomeado prefeito por Getúlio Vargas e de “prefeito da capital do estado foi fácil chegar a governador do estado”, assim pelo menos julgou Dos Passos.
Foi Kubitschek quem “promoveu” Niemeyer. Ele tinha um “estilo” diferente que, no entanto, nem sempre era aclamado. Mas Kubitschek sempre apoiou “o seu” arquitecto. O facto de Niemeyer se ter autodenominado comunista enquanto Kubitschek defendia o empreendedorismo privado não terá causado nenhum mal-estar entre os dois, como frisou Kubitschek na entrevista que concedera a Dos Passos.
Embora este admirasse Niemeyer, o escritor de ascendência madeirense criticava a postura e o activismo comunista do arquitecto. Dos Passos escreveu: “Atendendo a política, Niemeyer é desconcertantemente ingénuo. Embora afirme ser comunista e contribua para o baú de guerra do Partido, ele projecta igrejas, iates, clubes e cassinos com tanto entusiasmo como quando projecta apartamentos para trabalhadores.”
John Dos Passos comentou com admiração que em Belo Horizonte, a capital de Minas Gerais, “brilhava a construção angular de vidro e betão projectada por Niemeyer”. Dos Passos considerou essas a serem algumas das “obras mais originais e imaginativas” do arquitecto. No entanto, ao observar uma das casas de culto de Niemeyer, Dos Passos não resistiu a achar “estranho que um comunista professo tenha projectado uma igreja tão bonita”.
No final dos anos cinquenta, o presidente Kubitschek ofereceu a Niemeyer o cargo de supervisor das obras em Brasília. Para construir a cidade, Niemeyer teve que se mudar do Rio de Janeiro para a região, onde seria fundada a futura capital brasileira. O problema era que Niemeyer tinha “pavor de viajar”. Foi nesta altura, que Dos Passos o entrevistou. “Nos seus últimos dias que passou no Rio parecia pensar mais no quanto detestava deixar a família e a agradável moradia que projectou para si para trás, do que nas gloriosas oportunidades que o projecto de Brasília lhe oferecia como arquitecto. Ele frisou como seria difícil não ver o seu neto todos os dias. Ele tem horror a aviões. Os seiscentos e cinquenta quilómetros entre o Rio e Brasília serão uma dura jornada de carro.”
Quando Dos Passos visitou Brasília algum tempo depois, ficou muito desiludido com a obra de Niemeyer e dirigiu-lhe algumas críticas, severas. Dos Passos considerou o palácio do congresso “um falhanço inacreditável”, “inconveniente para funcionar”. “O interior”, escreveu, “é apertado e mal estruturado para o seu propósito. Há uma feiura frívola no exterior difícil de explicar para um designer com tanto talento para efeitos esculturais.” Além disso, Dos Passos criticou o Palace Hotel de Niemeyer e o palácio presidencial em Brasília, quando ele e outros jornalistas estavam sendo guiados pela cidade ainda em construção. “A estranha mania de Niemeyer por entradas subterrâneas sobrecarregou o hotel, desnecessariamente. Surpreendeu-nos encontrar em um aluno do funcionalismo de Le Corbusier tão pouca consideração pelas funções necessárias dum edifício. Em caso de incêndio, como sairíamos? O palácio presidencial que encontrámos era um edifício de vidro e betão branco de beleza singular. Mas as divisões internas também eram de vidro. Perguntávamos um ao outro onde, entre todas aquelas paredes de vidro, o pobre presidente poderia encontrar um lugar para trocar de calça ou um recanto privado para escrever uma carta.”
Estas duras críticas que John Dos Passos articulou no seu artigo jornalístico foram posteriormente reeditadas na sua crónica Brazil on the Move obra que fora traduzida para várias línguas inclusive para português (O Brasil Desperta).