Newsletter: Setembro 2022

Um resumo das nossas publicações e actividades do mês de Setembro de 2022. Imagem: retrato de Peggy Guggenheim.

O Direito (Jurídico) de Resistência: Legítima Defesa e Dever de Obediência

A propósito (mas não só) de um caso conhecido, abordado de forma tempestuosa, superficial e incorrecta pelo sensacionalismo típico da comunicação social, um artigo sobre a questão muito relevante e objectiva do direito de resistência como direito jurídico positivo, que não legitima a desobediência a ordens segundo os parâmetros constitucionais correntes, ao contrário do que sucede com o direito de resistência na sua formulação filosófica em geral.

O Close-Up e o Rosto Feminino na História do Cinema

Sobre o uso do plano do close-up do rosto da mulher ao longo da história do cinema, profusamente ilustrado com alguns excelentes exemplos.

Crítica: Defesa Freudiana de Aspectos de uma Narrativa em Mulholland Drive (David Lynch, 2001)

Um argumento a favor do impulso da interpretação inteligível, aplicado até a obras abstractas ou semi-abstractas como Mulholland Drive (David Lynch, 2001).

Dois outros artigos, um sobre como o distributismo, teoria política ainda desconhecida por muitos, pode ser solução para a desorientação cultural e a necessidade de um mundo mais sustentável; e outro a respeito do mecanismo de Anticítera, artefacto do séc. I a.c., descoberto no fundo do mar em 1900: um relógio astronómico muitíssimo complexo.

Por último, uma análise sobre várias tonalidades do papel do tempo na poesia de Friedrich Hölderlin, autor alemão do período romântico, e sobre o tema da máscara em O Homem Duplicado, de José Saramago, sob três perspetivas: a máscara em relação ao nome, a máscara como disfarce e a máscara social como o sorriso.

Duas notas sobre história da Roma Antiga

Primeiro, uma curiosidade pouco conhecida:, a planta do Sílfio, muitíssimo valiosa no tempo da Roma Antiga, usada como tempero, medicamento, afrodisíaco, contraceptivo e pílula abortiva. Era tão valiosa e importante que a sua imagem foi imortalizada em moeda, como se pode ver na fotografia que apresentamos. A espécie foi entretanto extinta, por razões várias, desde a elevada procura até à dificuldade de reprodução e o carácter muito local da espécie, e é também um bom lembrete de que não são apenas as espécies animais a correr esse risco. Depois, um condimento de que seguramente muitos já ouviram falar: o famoso molho intitulado garum, feito de óleos, vísceras e sangue de peixe e várias especiarias, um dos produtos culinários de maior circulação no mundo romano — e de que o território de Portugal era exímio fabricante e exportador — cuja receita original se terá perdido mas do qual é sempre possível tentar uma reprodução aproximada, como recentemente foi proposto.

Três ou Quatro Pontos Sobre Política

Apresentámos uma revisão do debate já com algumas décadas sobre as justificações para o uso da arma atómica nos bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki pelos Estados Unidos da América, em 1945, aos quais se sucedeu a rendição do Império japonês. Se bem que uma análise abrangente do conjunto de argumentos a favor e contra o uso da bomba acaba por nos devolver a imagem, correspondente à mensagem oficial, de que os bombardeamentos se destinaram a forçar a rendição rápida do Japão, poupando assim tanto vidas americanas como japonesas, muitos outros historiadores, naturalmente também ávidos de encetarem trabalhos mais aprofundados e formularem teorias alternativas, apontam igualmente o papel do custo militar e científico que levou à criação da bomba, impondo assim o seu uso em cenário de guerra para justificar o investimento; e, principalmente, o facto de servir como posição de força perante o Império Soviético. Todas estas hipóteses são consideráveis, embora a primeira de todas seja talvez a mais plausível, e a última destas estar conotada com uma certa aura de “a união soviética no centro de tudo“ que advém possivelmente do grande talento militar e político desse império para a propaganda, talento esse que talvez hoje em dia ainda se mantenha em actividade. Partilhamos assim um artigo da Enciclopédia Britânica, que faz o panorama das hipóteses tradicionais, e um outro do Washington Post que se foca nas teorias mais alternativas.

A propósito também de apoios sociais para a classe média em geral e para os mais desfavorecidos, em tempos de inflação e aumento do custo de vida em geral, lembramos várias dimensões relacionadas com a pobreza, as dificuldades financeiras e materiais das classes mais baixas, e a distinção entre factos e falsos moralismos no que diz respeito à questão. Recentes sugestões da responsável de uma das maiores e mais relevantes instituições de apoio social no país, o Banco Alimentar, apontaram a necessidade de reforçar não apenas os apoios sociais mas também a didáctica de gestão financeira que se torna ainda mais importante quanto menores forem os recursos económicos das pessoas em causa.

Aqui, indignações da parte do jornalismo sensacionalista costumam ser levantadas, fazendo parecer que tais sugestões calham mal e partem de preconceitos e paternalismos com os mais pobres. Não é verdade: o problema da literacia financeira é transversal a classes altas, médias ou baixas, mas, infelizmente, como é natural, é nestas últimas que as consequências podem ser mais danosas: quem tem mais recursos pode arriscar-se a ser perdulário, enquanto que quem tem menos não tanto. Apresentamos assim dois estudos recentes: o primeiro, a nível de literacia financeira mais complexa, num ranking do Banco Central Europeu referente a 2020, Portugal surge no último lugar; o segundo, num relatório apoiado em parte pelo Banco de Portugal, os cuidados com o planeamento do orçamento familiar não são perfeitos. Mais detalhes resumidos sobre estes dois estudos poderão ser encontrados neste artigo com vários

resumos.

Partilhámos também duas sugestões de leitura sobre a grande cisão no campo político progressista (aquilo que se costuma designar por “esquerda”) nos dias de hoje: a transformação da luta entre classes socioeconómicas numa luta entre classes identitárias de vários tipos. Apresentámos um ensaio do filósofo Richard Rorty (“A cultural Left”) que recentemente se tornou muito conhecido por ter de certa forma prefigurado a emergência do Donald Trump na política norte-americana; partilhámos também um texto muito mais recente, entre outros da mesma temática que existem, publicado na revista Jacobin.

Abordámos por último um assunto que pontualmente nos interessa bastante: a separação entre artista e obra. Existe a possibilidade ainda mais terrível de tais categorias serem inseparáveis e os mesmos móbeis que podem levar às posições pessoais, políticas e morais mais aberrantes possam também levar à arte mais grandiosa. Será talvez o caso em Picasso e, de forma mais evidente ainda, no escritor francês Céline.

Literatura em Actividades Improváveis

Por fim, um dos poucos exemplos de liberdade literária de relativo exercício não-restrito nas forças judiciais e militares são os nomes que inventam para certas operações especiais de investigação ou de intervenção. Se em Portugal conhecemos os exemplos da PJ, cuja génese da nomenclatura é em parte inspirada em processo doutros países, dos Estados Unidos da América chegam-nos exemplos tanto do FBI (crossfire hurricane, etc.) como das suas atarefadas forças armadas (desert storm, etc.). É realmente um exemplo curioso de micro- liberdades literárias em forças policiais e militares que nos podem dar gosto ler e matéria de estudo a desenvolver.

Queremos assim desejar um excelente regresso ao trabalho de todos os estudantes, investigadores e docentes no ensino superior em Portugal. Agradecemos, como sempre, as submissões que nos têm feito chegar e encorajamos a que continuem a nos enviar as vossas propostas. Aceitamos todos os temas de relevo, mas podem consultar sugestões de tópicos aqui. Até breve!

Retratos de Peggy Guggenheim (1898-1979), famosíssima coleccionadora de arte. Mais aqui.