Destacamos um pormenor numa interação recente, capturada em vídeo, entre um ativista nacionalista e uma jornalista do DN. Ao ser questionada pelo primeiro sobre uma reportagem por si assinada, em que, segundo aquele, o terá mencionado várias vezes mas nunca contactado directamente, esta responde que “não iria jogar esse jogo“. Tal bizarra formulação levou-nos a pensar: qual “jogo”? O jogo de fazer perguntas, que é o que os jornalistas fazem todos os dias?
A formulação parece de facto estranha tendo em conta que se trata de uma profissional da informação que está, aparentemente, a tratar a metodologia do seu próprio ofício como “um jogo“. Independentemente do juízo sobre o caráter benigno ou nocivo do exercício de fazer perguntas, que, aliás, tanto pode partir de um jornalista como de qualquer pessoa, e tanto pode incluir perguntas honestas e francas como também perguntas com armadilha para entalar o interlocutor, bastante comuns na comunicação social, o facto é que a inesperada formulação nesta interação parece lembrar um problema comum na profissão que pode ter ou não boas razões para existir: a aparente incapacidade e/ou desconforto dos jornalistas em se verem sujeitos ao mesmo exercício que praticam diariamente.
Lembremos, por exemplo, quão raro é jornalistas serem entrevistados por jornalistas — e, quando o são, nunca é para “apertar com eles“ mas sim modo geral para trocar simpatias e companheirismos de profissão. É decerto um problema advindo do corporatismo fanático da profissão.
Raras vezes a contradição desses profissionais está tão bem ilustrada como aqui. “Fazer perguntas” é um “jogo”, tentar apanhar o interlocutor em falso num momento ”gotcha”. Isto é o que os jornalistas fazem todos os dias mas não admitem que se faça a eles mesmos. Para reflectir.
Noutro apontamento, um profissional de comunicação social da revista Visão — que, a avaliar pela linha editorial frequentemente sensacionalista e pela postura descaradamente activista e por vezes q.b. ordinária de uma sua ex-directora — reagiu de péssimo modo a uma correcção que uma das contas de redes sociais da Revista Minerva pacificamente lhe endereçou. O tópico era o recém-nomeado candidato à vice-presidência dos Estados Unidos, J.D. Vance, e uma eventual comparação que o mesmo teria feito entre Donald Trump e Adolf Hitler. Inicialmente o jornalista terá escrito que Vance “chamou Hitler a Trump”, afirmação à qual propusemos a seguinte correcção: “Não é verdade. Em 2016, Vance escreveu ´I go back and forth between thinking Trump is a cynical asshole like Nixon who wouldn’t be that bad (and might be useful) or he’s America’s Hitler.´ Isto não é “chamar”: mais rigor, por favor.”. De forma completamente inesperada, injustificada e explosiva, o referido jornalista resolveu atribuir uma hipótese de comparação semelhante mas logicamente inviável que envolvia insultos abjectos, palavrões e ordinarice em relação a um dos nossos directores. Na galeria acima poderão verificar como, por muito que se tente, a discussão nas redes sociais — e a covardia que a virtualidade proporciona — mantém a tendência fácil para o nível abaixo de tasca e para o exercício de selvajaria da parte de classes intelectuais que não teriam coragem de o fazer de outro modo presencial, apenas em privado, entre os grupos rascas de amigos e colegas.
Acresce que o tópico em questão, no caso deste jornalista em específico, pode levantar enviesamentos cognitivos e tendências para a emotividade e para até o barbarismo inócuo, devido a um factor que temos de óbvia e frontalmente apontar: o mesmo é casado, segundo consta, com uma cidadã ucraniana, e é conhecida a sua preocupação e o seu partidarismo extremo no caso do actual conflito entre a Rússia e esse país. Por muito justa que seja a sua posição, isso pode, como é evidente, tanto influenciar a sua visão e descrição neutra e objectiva das complexidades que envolvem esse conflitos, como também proporcionar infelizes e tristes momentos de explosão emocional e de redundância no ataque pessoal e inócuo perante a simples amostra de uma correcção, sem qualquer antagonismo nem má-criação
Servem estes dois apontamentos não para exercer qualquer tipo de ataque pessoal a qualquer um destes profissionais, nem sequer para pôr em causa sua legitimidade de exercerem o ofício que exercem, mas simplesmente para apontar que muito provavelmente existe um problema grave, aliás, vários problemas graves, com o perfil de pessoa que nos dias de hoje exerce jornalismo, entre os quais: (1) a maturidade e a educação, (2) a capacidade para o pensamento lógico não informado por explosões emocionais e (3) o comprometimento com sectores políticos e ideologias e filosofias específicas, em geral minoritárias e alheias tanto ao modo mental da maioria das pessoas como também alheias àquilo que um leitor em teoria procura num exercício de reportagem.