Resumo
Embora pareça cada vez mais livre e autónomo, o ser humano tornou-se crescentemente dependente de mecanismos que passaram a fazer parte do seu quotidiano. O computador, por exemplo, trouxe alterações substanciais, a nível individual e coletivo, tanto em termos profissionais e sociais, como pessoais e familiares. A comunicação e aprendizagem são realizadas sem presença física, sem fronteiras, num território designado por ciberespaço. Tal lugar (ou não lugar) apresenta características dinâmicas e semelhantes às de um desafiante e perturbador itinerário labiríntico. Trajeto em constante transformação, sem um centro único, facilitador de ligações em várias direções e de todos os seus pontos, que avança num emaranhado de possibilidades que pode significar, entre outras coisas, a perda de individualidade.
Palavras-chave: dédalo, ciberespaço, arte, consciência individual
Introdução
No conto O Jardim de Caminhos que se Bifurcam, publicado originariamente em 1941, Jorge Luis Borges explica com detalhe e apoiado no surpreendente labirinto de Ts’sui Pen que, cada vez que um homem se defronta com diversas alternativas, opta por uma e elimina as outras. Mas, a eleita é, por vezes, o ponto de partida para diversas e novas bifurcações. «Ts’sui Pen, opta – simultaneamente – por todas. Cria, assim, diversos futuros, diversos tempos, que também proliferam e se bifurcam».[2]
Escolhemos esta passagem, por se afigurar representativa daquilo que pensamos ser o ciberespaço. Efetivamente este conto, ao apresentar-nos o labirinto como algo imaterial, que vive em vários espaços e tempos, impele-nos à reflexão acerca da simbologia e natureza do labirinto e, também, sobre a afinidade entre labirinto e a navegação no ciberespaço.
Com o propósito de esclarecer a noção de ciberespaço e o seu âmbito, pretende-se desdobrar a presente análise em três momentos. No primeiro momento, empreender-se-á uma reflexão sobre as diferentes aceções do conceito de labirinto. Relativamente ao segundo momento, procurar-se-á compreender a realidade intrínseca ao ciberespaço. Por fim o escopo será o de pensar de que forma a arte pode ser o derradeiro «santuário» da consciência individual.
1-Ponto de Partida: Compreender o labirinto
1.1-A Natureza do Labirinto
Uma leitura atenta do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea revela que a palavra labirinto comporta, no mínimo, duas aceções. A primeira apresenta o vocábulo «labirinto» como um desenho linear organizado por uma série de anéis concêntricos conectados de uma forma elaborada, delimitando um único e só percurso. Partindo de um ponto externo, este trajeto avança sinuosamente em direção ao centro da figura, percorrendo a totalidade do seu espaço interior num movimento contraível que se desdobra sobre si próprio através de sucessivas mudanças de direção.[3] Uma vez no ponto central, a única possibilidade de saída será inverter o sentido e refazendo todo o caminho até ao exterior. A forma clássica[4] do labirinto caracteriza-se, deste modo, por ser uma via-única, «unicursiva», traduzindo-se num «sofisticado padrão de movimento»[5] contínuo e ininterrupto que conduz, de forma rígida, até ao seu ponto central e sem que o seu visitante tenha possibilidade de escolha. A palavra labirinto tem ainda outra aceção e que é a do dédalo.[6] Um dédalo é um labirinto com muitos becos, onde as entradas e as escapatórias são distintas e podem ser múltiplas. Nem todos os circuitos são necessariamente percorridos e é indispensável uma ponderação de estratégias para que o emaranhado de possibilidades não dificulte a escolha. Este modelo de encruzilhada materializa-se, de alguma forma, na descrição, agora retomada do labirinto de Ts’ui Pen, que Jorge Luis Borges bem concretiza. «Era um caminho que descia e se bifurcava, entre várzeas indistintas e uma rede crescente e vertiginosa de tempos divergentes, convergentes e paralelos. Essa trama de tempos que se aproximam, se bifurcam, se cortam ou que secularmente se ignoram, abrange todas as possibilidades».[7] e assemelha-se com «(…) aquele espaço de comunicação aberto (…) assente numa realidade multidirecional, artificial ou virtual incorporada a uma rede global(…)»,[8] entendido por Pierre Lévy como ciberespaço.[9]
Fig.1- (exemplo de um labirinto) Baccio Baldini, Labirinto de Creta, (Crónica de quadros florentinos).
Em Matthews, William, Mazes and Labyrinths, Longmans Green and Co., Nova Iorque, 1922 p. 18.
Fig. 2- (exemplo de um dédalo) Maze at Charleval (After du Cerceau) em Matthews, William, Mazes and Labyrinths, Longmans Green and Co., Nova Iorque, 1922 p. 104.
2-O Dédalo Rizomático como Emblema do Ciberespaço
2.1- Diferentes formas de perspetivar uma nova realidade
São vários os autores que entendem o ciberespaço como dotado de uma natureza labiríntica. Lúcia Leão,[10] por exemplo, refere que as características do ciberespaço são próximas das do dédalo, e que, mercê da sua natureza rizomática, sujeita-se a transformações e conceções sistemáticas. Relembra-se que o conceito de rizoma foi importado da botânica para a reflexão filosófica por Gil Deleuze e Félix Guattari. O seu intuito foi o de entender o pensamento como um sistema concetual aberto, dotado, ainda assim, de um lado oculto e inicialmente invisível, tal como sucede com as raízes de uma planta. Este processo oferece uma alternativa às formas tradicionais de representar e organizar o conhecimento e ambiciona estabelecer um modelo de pensamento não linear, que abarque a multiplicidade de conexões, sem privilegiar este ou aquele conhecimento. O mapa rizomático é feito de conexões, é aberto, «desmontável, invertível, suscetível de receber modificações constantes.» «Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social».[11] Da mesma forma os chamados «realistas virtuais», como Benjamim Woolley, e o próprio Michael Benedikt, entendem que o ciberespaço não é nem um simples espaço matemático, nem uma mera metáfora de ficção científica,[12] mas uma “nova fronteira”, um “novo mundo” que está aberto à ação dos novos “navegadores”[13] e “colonizadores”, tal como um labirinto com características rizomáticas.
Fig.3- A Fresh Rhizome of Cimicifuga Racemosa em LLOYD, John Uri; LLOYD, Curtis Gates. Drugs and Medicines of North America. Cincinnati: Robert Clarke & Company, [1886]. Acedido em 07 de junho de 2020, em: https://www.henriettes-herb.com/eclectic/dmna/index.html
O modelo ou sistema hipertextual (que entendemos ser o constituinte da natureza do ciberespaço) encontraria na metáfora do labirinto uma analogia não apenas com os processos de desnorteamento e de certa «perdição» na rede, mas também remeteria a tentativas de estruturação do conhecimento e de organização.[14] O poder gnoseológico do hipertexto, labirinto que abriria possibilidades de trajetos plurais, manifestar-se-ia na superação da autoridade do autor[15] «(…) podendo qualquer cidadão entrar e participar na produção e publicação de uma nova literatura»,[16] na supressão da distinção ou da hierarquia entre autor e leitor, nas transgressões e escolhas realizadas através de leituras múltiplas em textos não lineares e destituídos de autoridade e, ainda, através de uma subjetividade que conquistaria a liberdade e desenvolveria a criatividade. Para os otimistas do ciberespaço, como, por exemplo, John Barlow e Pierre Lévy, a dubiedade, o inesperado, o aleatório, a interatividade e a liberdade, presentes nos processos de navegação na «matrix»[17], seriam garantes da autonomia e facilitadoras dos processos de aprendizagem descentralizados, abertos, criativos e dialógicos. O leitor/navegador não apenas percorreria um labirinto, mas, também, construiria labirintos. Se, por um lado, essa oportunidade ampliaria o risco de não mais encontrar a saída do labirinto hipertextual, por outro lado, engrandeceria a possibilidade de encontros com o outro, assim como salientaria a aventura de construir novas formas de aprendizagem adequadas às indeterminações do ciberespaço. A natureza labiríntica do hipertexto, associada tanto aos riscos de se perder no ciberespaço, quanto aos proveitos advindos da navegação em percursos múltiplos e imprevisíveis, pode oferecer a ilusão de uma subjetividade que se enriquece com escolhas e aprendizagens que são independentes de determinações e instruções cerceadoras. Ainda assim, não se pode ignorar o perigo, anunciado pelos críticos do ciberespaço (como, por exemplo, David Lyon ou Mark Poster) de se descobrir no hipertexto uma liberdade de escolha circunscrita a programas e a oportunidades pré-definidas. Tudo isso contribui marcadamente para a produção de «seres humanos modelados e controlados» que acabam por estar multiplicados em bancos de dados dispersos, entre mensagens eletrónicas descontextualizadas, dissolvidas e ‘rematerializadas’ continuamente, em algum ponto da incessante transmissão de dados.[18] Esta preocupação é magnificamente retratada em filmes como Blade Runner, escrito por Philip K. Dick e realizado por Ridley Scott ou 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Arthur C. Clark, e Stanley Kubrick. Estes autores instigam a uma circunspeção sobre esta inversão de paradigma e do aprisionamento do homem às condições impostas pelas máquinas, a perda de humanidade e de consciência individual decorrente dessa situação e o processo de mecanização do ser humano. No primeiro, os robôs («replicantes») tornaram-se tão avançados que se tornou impraticável distingui-los dos humanos. No segundo, o Computador Hal 9000 demonstra mais emoção e capacidades que os próprios tripulantes da viagem espacial. Antevê-se, nesta ambivalência entre a «high tech (alta tecnologia) versus low life (baixa existência)»,[19] que a analogia entre o ciberespaço e o labirinto tem um âmbito mais alargado. Não se trata, unicamente, de procurar os contornos da navegação labiríntica nesta espécie de agio,[20] mas de compreender, similarmente, como pode o homem evitar perder-se de si mesmo.
3-Um possível Caminho de Navegação
3.1-A Arte como o derradeiro «santuário» da consciência individual
«O artista intui a catástrofe» que se abaterá sobre a humanidade se se persistir na contínua desertificação metafísica, embora utilize estratégias próximas da toda-poderosa razão científica, tentando definir uma base moral que pretende estar alicerçada na «natureza eterna das coisas», necessitando para tal de alimentar a ideia de que provavelmente existirá uma verdade objectiva do próprio ser.»[21]
O mundo Ocidental apercebeu-se, nos finais do século xviii, de que estava em curso uma transformação essencial das consciências e das mentalidades, uma mutação que alcançaria o auge durante a primeira metade do século xix, mas que perduraria durante o século xx. Esta modificação resultava diretamente dos tumultos causados pela Revolução Francesa, pelas guerras napoleónicas e pela crescente industrialização.[22] Submerso num total encadeamento de crises, o Ocidente procurou socorrer-se de outros valores que não os da lógica, do empirismo científico iluminista e dos discursos apologéticos da tecnologia. Privilegiando a crença nas emoções subjetivas do indivíduo, artistas, escritores, compositores e intelectuais, que professavam o ideal romântico,[23] valorizaram a força das emoções, da intuição e do indivíduo. A liberdade da imaginação e da criatividade substituíram as regras, os padrões e a lógica. A mente humana era o veículo da natureza, sendo que o objetivo do artista era aceder a este reservatório de realidades superiores e expressá-las. Entende-se, desta forma, que o Romantismo não foi apenas um estilo, mas também uma atitude, ‘uma autorização’ para abandonar a lógica vigente e seguir o génio criativo. Os princípios preconizados por este movimento mantiveram-se ao longo de todo o século xix, e também durante o século xx. No entanto, a partir da última metade do século xix, esses fundamentos são visíveis apenas em pequenos grupos[24] que adotaram uma práxis altamente pormenorizada e naturalista, enraizada num passado espiritual medieval, que funcionou como parábola da sociedade moderna. Em vez das bases iluministas de nobreza e da virtude, a sensibilidade romântica privilegiou a emoção, a imaginação, a espiritualidade[25] e a supremacia da natureza, numa clara tentativa de retorno a um certo tipo de locus amoenus.
Fig.4- ROSSETTI, Dante, Gabriel, Beata Beatrix.ca. 1864-1870. Óleo sobre tela. The Tate Gallery, Londres. Em JANSON, Horst, Waldemar, ob. cit., p. 907.
O papel dos artistas que adotaram uma atitude «reformadora» consistiu em criar intermitências ou espaços intercalares no sistema dominante. Relembrando Baudelaire, na senda da desconstrução da ordem instituída: «A arte pode e deve libertar-se de normas pretensamente intemporais»,[26] constituindo um promissor ensejo de preservação da consciência individual.
Considerações Finais
O ciberespaço é um agio sem presença física e com fronteiras diluídas. Dotado de características particulares, o ciberespaço reúne múltiplas possibilidades que o aproximam a um dédalo rizomático. Reconhecido por ser um sistema aberto com inúmeras possibilidades de conexões e de modificações, este «lugar» é o «mundo de mundos».[27] O local virtual onde os processos de conhecimento são criativos e dialógicos, mas onde o risco de desnorte e de perda de individualidade, mercê da sua realidade multidirecional, representa uma forte possibilidade. Uma práxis artística que privilegie a emoção, a imaginação e o retorno ao eu poderá incentivar uma ponderação sobre o modo de enfrentar o confuso Minotauro da rede global, sem que isso signifique perda de identidade.
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Aluna do Doutoramento em Filosofia da Ciência, Tecnologia, Arte e Sociedade do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa e membro integrado do centro de Filosofia da Ciência. ↑
BORGES, José Luis, Ficções, Editora livros do Brasil, Lisboa, 1982, p. 29. ↑
Sobre a questão da morfologia labiríntica Cf. Kern, Hermann, Through the Labyrinth- Designs and Meanings over 5000 years, Prestel, Munique 2000, pp. 23-24. ↑
Esse tipo de significação e de construção encontra-se materializada no popular mito Cretense, onde nos é narrado que o «celebérrimo artista Dédalo» construiu um enigmático edifício com «(…) retorcidas curvas e contracurvas de corredores sem conta» (Cf. OVÍDIO, Metamorfoses, Livros Cotovia, Lisboa, 2007, §159, p. 2) predestinado a esconder e aprisionar o Minotauro, e a ser o local do cerimonial da «Ariadne de belas tranças». (Cf. HOMERO, Ilíada, Livros Cotovia, Lisboa, 2017, Canto xviii, §590-594, pp. 384-385). ↑
KERN, Hermann, ob. cit. p. 23. ↑
À imagem do que sucede com a língua inglesa relativamente aos vocábulos labyrinth e maze, na nossa opinião, deveríamos reservar o vocábulo labirinto para designar os percursos sinuosos unicursais, em que a entrada coincide com a saída, e utilizar o vocábulo dédalo para nomear os percursos multicursais, em que a entrada e a saída são distintas. ↑
BORGES, José Luis, ob. cit., p. 80. ↑
LÉVY, Pierre, Cibercultura, Editora 34, S. Paulo, 1999, p. 92. ↑
A palavra ciberespaço foi criada, em 1984, pelo escritor de ficção científica William Gibson, e utilizada nos seus romances Neuromancer (de 1984) e Count Zero (de 1987). Na ficção Neuromancer, Gibson descreveu o ciberespaço como uma «alucinação colectiva» e posteriormente aclara este conceito referindo que com o termo ciberespaço procurava «(…) o ponto em que a informação se agrega e nos envolve e que é a expressão máxima da exclusão do quotidiano. No espaço virtual, assim como descrito, podemos estar literalmente envolvidos no meio sem nos apercebermos do que realmente está à nossa volta» (em WOOLEY, Benjamin (1992), Virtual Worlds, Oxford e Cambridge, Blackwell, p. 121). ↑
Cf. LEÃO, Lúcia, O Labirinto da Hipermídia: Arquitetura e Navegação no Ciberespaço, Iluminuras, S. Paulo, 2005. ↑
Cf. DELEUZE, Gilles, Rizhome, Les Éditions de Minuit, Paris, 1976, pp. 30-32). Lévy afirma que o rizoma, pensado como metáfora para as redes, é constituído por nós intercomunicadores que conectam diferentes pontos, independentemente da sua natureza. Para o autor, o conceito de rizoma intensifica a perspetiva de horizontalidade dos modelos de comunicação e organização sociais, contrapondo-se à lógica hierárquica a que a sua expansão vertical nos remete. Cf. LÉVY, Pierre, A Inteligência Coletiva: Por uma Antropologia do Ciberespaço, Instituto Piaget, Lisboa, 1997. ↑
Cf. Woolley, Benjamin, Virtual Worlds, Blackwell, Oxford e Cambridge, 1992. (Capítulos sobre “Virtuality”, pp. 58-71 e “Cyberspace”, pp. 122-135) e Benedikt, Michael, First Steps, Mit Press, Cambridge,1991, pp .9-29. ↑
Não esqueçamos que etimologicamente a palavra ciberespaço deriva do prefixo cyber (em inglês), ou ciber (em português), remonta ao grego kubernetes e significa embarcação, governo ou controle. Cf. Saunders, Robert, Ethnopolitics in Cyberspace: The Internet, Minority Nationalism and the Web of Identity, Lexington Books, Nova Iorque, 2011, p. 50. É por esse motivo que utilizamos a metáfora “navegação” quando nos referirmos à utilização da internet. ↑
No labirinto clássico, foi o fio de Ariadne que serviu de guia a Teseu. Este fio não é só instrumento que possibilita encontrar o caminho de volta, ele é, também, o instrumento com o qual o navegador consegue avançar, pois os corredores não explorados não têm o fio. Os browsers, de uma forma geral, recuperam essa marcação do fio de Ariadne ao assinalar os sítios web já visitados. Cf. Lúcia Leão, ob. cit. p. 100. ↑
Esta questão da autoria das obras tem fomentado importantes reflexões, algumas das quais desprestigiando o papel do autor. Foucault, por exemplo, desenvolve uma crítica radical à ideia de autor, mais precisamente do par autor/obra, deixando transparecer uma recusa à categoria de autor e ao gesto biográfico, chegando a defender o anonimato rigoroso. Ele subverte, assim, os princípios éticos da autenticidade autoral consagrada desde sempre. O filósofo parte da ideia de que a figura do autor deve ser apagada em proveito das formas próprias aos discursos, o que o conduz a investigar o que este desaparecimento permite descobrir, quais os espaços, as lacunas, e as funções livres que estes espaços deixaram descobertos. Cf. FOUCAULT, Michel, «O que é um autor?» Em Bulletin de la Societé Française de Philosophic, 63.º ano, n.º 3, julho-setembro de 1969, pp. 73-104. (Société Française de
Philosophie, 22 de fevereiro de 1969; débat com M. de Gandillac, L.Goldmann, J. Lacan, J. d’Ormesson, J. Ullmo, J. Wahl). ↑Cf. Ferrão, Hugo, Hipertexto, Axis Mundi das Manifestações Tecnoartísticas, Lisboa, Arte Teoria, n.º 6, 2005, p. 4. ↑
Vocábulo usado por William Gibson em Neuromancer e que significava a representação simbólica de dados e caminhos de dados, existente na virtualidade em que Case (o personagem do livro) se envolve. Cf. GIBSON, William, Neuromancer, Aleph, S. Paulo, 2013, p. 24. ↑
Cf. POSTER, Mark, The Mode of Information- Post-Structuralism and Social Context, University of Chicago Press, 1990, pp. 15-16. ↑
FERRÃO, Hugo, (2005) ob. cit. p. 4. ↑
Acreditamos que, no que se refere à localização e constituição, o ciberespaço aproxima-se daquilo Giorgio Agamben entende por agio, e que é o lugar vazio (no fundo, um não lugar) em que cada um se pode mover livremente. Cf. AGAMBEN, Giorgio, A Comunidade que Vem, Editorial Presença, Lisboa, 1993. ↑
FERRÃO, Hugo, Imersão Tecnológica e Desertificação Metafísica, «Ilhas» e «Arquipélagos» Românticos – Nazarenos, Pré-Rafaelitas e Nabis, Arte Teoria, n.º 9, Lisboa, 2009, p. 2. ↑
HOBSBAWN, Eric, A Era das revoluções, Editorial Presença, Lisboa, 1992. ↑
O termo romantismo deriva dos romances góticos de Horace Walpope, caracterizados por uma atmosfera de denso negrume, que se tornaram muito populares em Inglaterra na segunda metade de Setecentos. O Romantismo foi divulgado, de início, em França por Jean-Jacques Rosseau e na Alemanha pelo movimento Sturn und Drang. Cf. JANSON, Horst, Waldemar, A Nova História da Arte de Janson, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010, p. 842. ↑
Como bem refere o professor Hugo Ferrão, esses grupos são os Nazarenos, os Pré-Rafaelistas e os Nabis. Esses artistas formaram pequenas «ilhas», ou «arquipélagos» e utilizaram práxis artísticas e temáticas estéticas diferentes das praticadas no período, em análise. Cf. Ferrão, Hugo, (2009), ob. cit., pp. 2 a 12. e JANSON, Horst, Waldemar, ob. cit., pp. 904-910 e p. 943. ↑
Esta evocação da espiritualidade é nítida, por exemplo, em Gabriel Dante Rossetti, (um dos artistas mais conhecidos da irmandade Pré-Rafaelita) particularmente na obra Beata Beatrix (Cf. Fig.4). A imagem é um retrato de Elizabeth Siddall, incorporando a personagem de Beatrice. Tem uma qualidade nebulosa e transcendental, dando a sensação de um sonho ou visão que é preenchido com referências simbólicas. Rossetti pretendia representá-la, não no momento da morte, mas transformado por uma «súbita transfiguração espiritual». Ela é colocada numa atitude de êxtase, com as mãos diante dela e os lábios entreabertos, como se estivesse prestes a receber a Comunhão. (Cf. ROSSETTI, Dante, Gabriel, Carta de 1873, acedido em 10/06/2020 no website da Tate: https://www.tate.org.uk/art/artworks/rossetti-beata-beatrix-n01279 e JANSON, Horst, Waldemar, ob. cit., p. 907). ↑
CRUZ, Teresa, (Posfácio) em: BAUDELAIRE, Charles, O Pintor da Vida Moderna, Nova Veja, Lisboa, 2013, p. 13. ↑
Expressão utilizada por Emanoel Pires de Assis para definir o ciberespaço. Cf. ASSIS, Emanoel, em «Ciberespaço e pós-modernidade em Neuromancer de William Gibson». In Anais do VI ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Salvador, maio 2010: UFBA: FACOM. Acedido a 31/05/2020 no website da UFBA. http://www.cult.ufba.br/wordpress/24841.pdf, p. 7. ↑