O que têm em comum uma dançarina de ballet, Nina Sayers, personagem principal do filme Black Swan (Darren Aronofsky, 2010) e um compositor clássico, Gustav von Aschenbach, protagonista do filme Death in Venice (Luchino Visconti, 1971)? Ambas personagens apresentam um certo desequilíbrio entre as duas forças essencias para a inspiração e criação artística: a dionisíaca e a apolínea, de acordo com o filósofo Nietzsche (O Nascimento da Tragédia). Regidos pelo lado apolíneo, através da ordem e da harmonia, reprimem a também necessária “embriaguez dionisíaca” no que concerne grosso modo à excitação dos sentidos, ao irracional e ao caos, o que acaba por limitá-los enquanto artistas. No caso de Nina constitui uma imensa dificuldade mover-se para lá das fronteiras emocionais que a congestionam a fim de perseguir com êxito a interpretação da desafiante Odile, o “Cisne Negro”, em oposição a Odette, o “Cisne Branco”, ambas encontradas, na sua origem, no bailado O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky, ao qual podemos reportar a sua origem. No binómio Odile – Cisne Negro/ Odette-Cisne Branco encontramos a dualidade dos lados dionisíaco e apolíneo, respectivamente. Nina, vendo-se incapaz de interpretar o “Cisne Negro”, entra numa espiral de obsessão em busca de um ideal de perfeição que resulta na sua autodestruição e consequente loucura. Gustav von Aschenbach vislumbra num rapaz de 14 anos, Tadzio – a quem persegue obsessivamente pelas ruas de Veneza, no auge da embriaguez dionisíaca – a encarnação do Belo Ideal (Platonismo) que o conduz ao seu fatídico destino. A bailarina e o compositor, cada um à sua maneira, sucumbem ao seu lado dionisíaco, que haviam reprimido, e à obsessão que a ambos faz desembocar numa catarse estéril e destrutiva, aliás, ao nível artístico mais estéril para Aschenbach do que para Nina, porque embora através dos meios errados, ela consegue levar a bom termo o seu papel, porém tragicamente. Em Nina desenvolve-se uma fragmentação patológica da identidade: a bailarina alucina com o seu doppelgänger dionísiaco – a sósia que com ela se cruza, o reflexo no espelho que ganha vida, o seu “Cisne Negro”, sensual e transgressor. Assim se vê libertada a sua Odile, dominada há muito por uma Odette perfeccionista, obcecada por uma perfeição inatingível. Aschenbach, abandona-se à fixação por Tadzio, ao desvario, enquanto homem falha em controlar a paixão desenfreada e enquanto artista também. Tadzio não é apenas um desejo erótico, é também a obsessão do artista pelo Belo Ideal, inalcançável à partida. O arrebatamento causado pela Beleza Ideal de Tadzio, a obsessão de que é alvo, poderiam ser uma extraordinária fonte de inspiração para uma composição musical magnífica. Personagens trágicas, perseguindo algo inalcançável ao ser humano, cujo destino, tivessem encontrado o equilíbrio interno e se resignado ao limite humano do Artista, seria diferente. Excelentes filmes, principalmente a obra prima de Visconti. Fica a recomendação.
Outros Artigos

Review: Normal People (2020, adapted from Sally Rooney) — Disclosing so Much With Few Words
Adapted from Sally Rooney’s 2018 book, Normal People is a 2020 TV miniseries that tells the story of Connell and Marianne’s relationship through the years. Connell is the popular high school jock with a bookish side, while Marianne is the bullied intelligent rich girl at the bottom of the social hierarchy.

Como o cinema reflete o real ou o transpor da vida em Yi-Yi, de Edward Yang
Análise do movimento cinematográfico em Yi-Yi, de Edward Yang: de filme para realidade fílmica e as ferramentas usadas nesse salto simbólico.

Crítica: mother!, Darren Aronofsky, 2017
A associação da figura do Artista ao Deus hebraico — o grande criador por excelência — não é propriamente uma ideia nova. No entanto, talvez essa comparação nunca tenha sido explorada de forma tão pungente e destemida como em mother!, filme em que Deus e Artista são uma só entidade.