Aproveitando a visibilidade e o debate lançado por algumas formas de protesto distintas na paisagem cultural portuguesa nas últimas semanas — por exemplo, numa livraria, a propósito de um lançamento de um livro, com palavras de ordem e megafone; em palestras de ministros, com arremesso de tintas às pessoas presentes; e os já clássicos e bastante selvagens quebramentos de montras — queremos lembrar um facto frequentemente mitificado por alguns cultores do arruaceirismo: o movimento sufragista, que pugnou pelo voto universal das mulheres e pela sua integração como membros plenos da sociedade do início do passado século, não foi bem sucedido através da violência mas sim devido às próprias transformações sociais e históricas que decorreram então. Tal representação desse movimento como fundamentalmente dotado para a intervenção disruptiva no espaço público no seu todo é falsa, tendenciosa e representa uma mitificação grotesca dos processos complexos que essa transformação social representou. Em primeiro lugar, convém destacar que qualquer movimento de transformação significativa da sociedade tem expressões de protesto que passam por cenários antagonísticos envolvendo ou não violência da parte dos protestantes ou da parte das autoridades. Foi o que se passou com o sufragismo, em que se fizeram greves de fome — violência exercida sobre os próprios manifestantes — interromperam-se eventos públicos e incendiaram-se marcos de correio — violência exercida sobre terceiros e sobre o público em geral. Isso é inegável. Em segundo lugar, é falso, porém, que estas expressões fossem majoritárias e significativas no movimento. Os setores minoritários do mesmo que enveredaram pela violência integram-se e, aliás, misturam-se com, tendências de combate bárbaras desse início do século partilhadas por anarquistas e comunistas; não foram de todo essas ações que substanciaram o papel da mulher como a de um ator cívico de pleno direito — como também não foram bombas e barbarismo que deram força a comunistas ou anarquistas — mas sim uma coisa muito simples: o seu papel na primeira Guerra Mundial. Sendo obrigadas pela ausência da população masculina a tomar trabalhos e atividades tradicionalmente destinadas aos homens, ganharam muita força e respeito junto da opinião pública, ao contrário das anteriores acções, que tinham contestação dentro do próprio movimento. No final da guerra, decorrendo deste contexto, foi aprovado o primeiro direito ao voto parcial para as mulheres. Esta é a verdade histórica: o sucesso do movimento sufragista não teve absolutamente nada a ver em primeira linha com violência exercida sobre terceiros mas sim com o respeito que ganharam junto da opinião pública com a sua participação cívica na guerra, ao que acresce algumas expressões de protesto como as greves de fome (aspectos das quais estão retratados nas imagens em baixo) que naturalmente mereceriam também mais respeito do que desordeirismo de modo geral. Por último, e em conclusão, ao contrário do que alguns actores cívicos mal resolvidos possam pensar, é muito raro a violência política trazer resultados práticos positivos, quer a nível de apoio da população — e lembremos que de modo geral ninguém gosta de violência, nem mesmo os próprios partidários das causas —, quer a nível de desmantelamento de estruturas físicas ou sociais que limitem os objectivos dos protestantes. Lembremos que as grandes revoluções políticas na segunda metade do século XX, já após o barbarismo sanguinário e suicida das grandes guerras, foram muitas travadas com notável inteligência através do caminho da paz e da não violência, como com Mahatma Ghandi, Nelson Mandela, Martin Luther King, ou mesmo as extraordinariamente pacíficas, comparativamente, transições para a democracia de Portugal e de Espanha. Cuidado, portanto, com a glorificação do desordeirismo inócuo, que pode servir apenas para veiculação de impulsos primitivos para o barbarismo que existem em todos nós.
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