Para o fim-de-semana, leituras leves, para serem tidas em público ou em privado. Abordamos hoje a indústria de publicação pornográfica clássica, da idade de ouro, dos meados do século XX até aos dias de hoje, onde persiste já decaída mas sem o charme da decadência, assim como um pouco do ramo audiovisual da mesma, nos seus suportes tradicionais, antes do advento do digital.
São cinco as principais publicações que queremos destacar, uma delas portuguesa, mas vamos também dar atenção a algumas outras menos conhecidas mas não necessariamente menos importantes, além de outras mais especializadas ou merecedoras de atenção por diferentes razões, terminando por fim com alguns apontamentos relacionados com a indústria da pornografia durante o século XX em geral.





A primeira que abordamos, a imortal revista Playboy, não é necessariamente a primeira das publicações pornográficas modernas, mas é sem dúvida aquela que revolucionou o género e o trouxe ao grande público, sendo criada num ambiente cultural coincidente com as famosas revoluções de libertação sexual. Foi no contexto do liberalismo das sociedades ocidentais, bem-sucedido, bem instalado entre classes médias sólidas e baby boomers com boas condições de prosperidade, tempo livre e desenvolvimento da personalidade — após duas guerras mundiais que devastaram a Europa e delibitaram a América — em que Hugh Hefner, visionário recentemente desaparecido, espreitou a oportunidade de elevar o olho artístico da fotografia tendencialmente vulgar apresentada em publicações do tipo, anteriores à Playboy, que abordaremos daqui a pouco, introduzindo também nos seus conteúdos ensaio e crónicas de qualidade e de seriedade respeitável, além das mais tardias e fundamentais entrevistas, que abordámos noutra peça. O império Playboy fundamentou-se na imagem, no estilo de vida e nos interesses variados, cosmopolitas e renascentistas — no sentido pluri-disciplinar e multi-temático — do seu fundador, sendo a mansão onde estabeleceu residência centro de grande parte das actividades da revista e lendário santuário de encontro de artistas, gente abastada e intelectuais em geral, além de centro de libertinagem sexual em si mesmo.





Depois da fundação da mítica Playboy, em 1953, que, como já vimos, era uma revista de erotismo explícito mas especificamente dedicada aos cavalheiros de classe média e à classe social dos intelectuais urbanos, o mercado demorou a reagir e só em 1973 foi fundada a famosa Hustler, do lendário Larry Flynt, a Playboy dos porcalhões, muitíssimo mais explícita, vulgar e anti-intelectual, apresentando mulheres sem qualquer pretensão artística e puramente na vertente de talho.






Outras publicações menos conhecidas ou muito conhecidas durante apenas algum período, algumas especializadas em segmentos específicos da população — como a revista Players, menos conhecida, dedicada ao mundo afro-americano — ou especializadas em partes do corpo/disposições/filosofias específicas, são também aqui destacadas: a Penthouse, talvez a segunda ou terceira publicação deste género mais famosa; a Juggs, dedicada ao peito feminino; e a Leg Show, às pernas. Muitas outras regionais, pelo mundo fora, também surgiram, embora não necessariamente com modelos desse país, como o caso da portuguesa Gina, de que falaremos a seguir.



Muito mais tardiamente em Portugal, em relação ao mercado no resto do mundo livre, tivemos a hoje mítica revista Gina, fundada também em 1974, uma produção nacional mais modesta, recatada, bela e do lar, com meios menos poderosos mas dedicada ao público nacional, apesar de contar apenas com modelos estrangeiros. Diz-se que, apesar de a maior parte do seu público leitor serem homens, como é natural, era procurada também por mulheres, provavelmente aproveitando a lufada de ar fresco de liberdade e de libertinagem proporcionada pela revolução política que foi acompanhada também por uma revolução de costumes e de ideias, ultrapassada que estava a censura. Foi também nesta época que filmes como O Último Tango em Paris, cinema erótico de Bernardo Bertolluci com Marlon Brando e Maria Schneider, fizeram enorme êxito mais pela novidade da exposição sexual do que propriamente pelo interesse do grande público em cinema de autor.














Além disso, assinalamos também a golden age of porn no audiovisual e o seu espreitar para o mainstream trazido pelo advento do cinema em grande escala e pelo VHS mais tarde. Sub-cultura em geral desinteressante do ponto de vista artístico mas que encontrou alguns casamentos com a cultura libertária/psicadélica/subterrânea urbana dos pós anos sessenta. Nunca produziu grandes peças: produziu somente uma espécie de cinema verité muito cru mesmo, ao nível quase do documental mas na variedade fingido (mockumentary), semelhante talvez apenas a variantes da arte minimalista, do documentário, ou, na versão para o grande público, a filmes de terror.


Um último apontamento sobre esta subcultura: a musica que compõe as bandas sonoras dessa idade de ouro, de 1970 a 1980 e poucos, constituídas por instrumentais do funk norte-americano, é extraordinária. Existem aliás várias álbuns originais, de colectânea ou de tributo, que o atestam. Recomendamos a colecção pornosonic, um projecto contemporâneo de Don Argott que recria o estilo musical dessas películas, e também bandas sonoras originais disponíveis em formato analógico ou nas plataformas digitais.