Relembrando, pela 105ª vez, o famoso “paradoxo de Popper”, o paradoxo da tolerância, a propósito de vandalismo político.
Existe um consenso tácito, em Portugal, desde o fim do PREC, de respeitar as regras do jogo democrático e não vandalizar propaganda política afixada em público. Esse consenso pode ser quebrado com acções como a de ontem, em que o cartaz de um partido político de extrema-direita (categoria posicional, relacional, e não substancial) foi incendiado, na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, e, uma vez aberta essa caixa, nada impede apoiantes dessa ou doutras forças políticas visadas vandalizarem cartazes do extremo contrário.
O argumento levantado a favor da legitimação deste tipo de violência geralmente é o relacionado com o dito paradoxo, ou seja, “não tolerar os intolerantes”. Algum pensamento burguês acompanha esta máxima falaciosa, mas importa pensar além. Querem viver num regime em que certas expressões políticas são proibidas? Meras expressões sem antecedência de violência: ao contrário da versão bastarda do “paradoxo de Popper” que circula nas redes, o referido filósofo nunca advogou censura de discurso ou de expressão por si só, de qualquer espécie.
Convém saber se queremos um regime sério — aqui e nas democracias liberais parlamentares representativas do ocidente em geral e não só — feito de critérios objectivos do que é permitido e proibido. Afinal o que significa “incitamento” a ódio e violência: é dizer que não gostamos de x tipo de pessoa (como fazem alguns contra ricos, senhorios, políticos etc.)? É dizer que somos contra ou queremos determinado tipo de repressão contra as mesmas (como alguns pretendem em relação a “piropos”, “ofensas”, ou até mesmo “ideias”); ou antes devemos reservar a categoria de “incentivo” para coisas que real e EXPLICITAMENTE o sejam?
É uma questão que fica para os burgueses donos do regime actual, fechados no seu conforto ideológico, sem desafios, sem mundo, sem contrariedade com que tenham de conviver. É nesse ordenamento social que querem viver, tal como no antigo regime existia quem achasse que era melhor não dar voz aos comunistas porque eles eram muito perigosos (e de facto eram). É isso que querem? Querem uma democracia liberal, uma sociedade aberta, ou querem regras à la carte, dominadas pelos fantasma colectivos do tempo? Fica a pergunta. Uma boa semana para todos!