Os Cinco Melhores Números de Comédia de Todos os Tempos

Trazemos aqui uma reunião, o mais sucinta e abrangente possível, dos melhores e mais conhecidos números de comédia a nível mundial. São todos do século XX, época em que a popularização da divulgação audiovisual através do cinema e da televisão trouxeram a possibilidade mnemónica de sedimentar na psique colectiva com muito maior intensidade e permanência este tipo de conteúdos, que antes sobreviviam através dos números de comédia ao vivo e da tradição oral partilhada socialmente em comunidades. São eles cinco, a maior parte deles já conhecidos dos nossos leitores, e listamo-los mais ou menos por ordem de importância.

Começamos precisamente com um que não é tão popular em Portugal, talvez devido ao suporte referencial — o basebol — não ser entre nós nada familiar, o Who’s On First, de 1930, um jogo de trocadilhos absolutamente magistral da autoridade da dupla Abbot e Costello. Continuamos com aquele que seguramente é familiar para muitos, o Dead Parrot, dos Monty Python, de 1969. Temos ainda a famosíssima cena do filme Modern Times, de 1936, em que Charlie Chaplin, numa linha de montagem, se digladia com o ritmo incessante da produção industrial, num bailado magnífico entre o corpo do homem e as engrenagens das máquinas. Depois, encontramos Harold Lloyd, em Safety Last, de 1923, numa jornada poderosa de comédia física que culmina com a famosa cena com o próprio pendurado nos ponteiros de uma torre de relógio, um marco da história do cinema. Por fim, escolhemos o tropo mímico do espelho na famosa cena de Duck Soup, de 1933, em que os irmãos Marx nos presenteiam com uma magnífica interação entre a figura espantada de um homem que se julga encontrar defronte de um espelho mas que na verdade tem um seu sócia replicando-lhe os movimentos.

Muitos terão ficado esquecidos nesta lista — Buster Keaton, os comediantes stand-up americanos, Jacques Tati, e tantos outros — mas definimos que seriam cinco e cinco assim foram. Tentámos incluir géneros tão distintos como o trocadilho verbal e a comédia física, e alguns destes números representam tropos usados desde a antiguidade, não sendo propriamente inéditos. Por exemplo, em Who’s On First, o número reflete o tropo antigo da identidade equivocada, como em Menaechmi de Plauto, onde nomes trocados criam caos, e a Logomachia grega de Aristófanes, transformando o diálogo numa batalha de absurdos moderna, movida a trocadilhos e ritmo implacável. Em Dead Parrot, o embate encarna o Alazon (fanfarrão obstinado) de Michael Palin, como os charlatães gregos de Aristófanes, contra o Eiron (questionador irónico) de John Cleese, típico de Roma, onde a teimosia ridícula diante do óbvio é desmontada com humor cortante e surreal. Na cena da fábrica em Modern Times, o número reflete o acidente físico dos mimos gregos e o Labor Sisyphus romano, como nas tarefas inúteis de Plauto, transformando o corpo em piada e o trabalho repetitivo numa crítica cómica à era industrial, com Chaplin como um Sísifo tragicómico. Nas peripécias de Safety Last, ecoa vagamente o servo astuto de Plauto, um herói improvável que enfrenta a Peripeteia (reviravolta perigosa) com engenho e sorte, como um trickster grego, misturando suspense físico e risadas num gag que poderia brilhar em qualquer palco antigo. Por fim, no número do espelho, dos irmãos Marx, faz-se uma releitura da identidade equivocada e do Doppelgänger de Aristófanes (As Rãs) e Plauto (Amphitryon), onde duplos visuais geram confusão, transformando-se num ballet cómico que actualiza o engano teatral para o cinema com sincronia impecável e nonsense puro. Desfrutem então dos registos visuais de cada uma destas obras-primas.

“Who’s on First?” (“Quem está na primeira?”) é um clássico número de comédia criado pela dupla Abbott e Costello. Nele, Bud Abbott explica a Lou Costello os nomes dos jogadores de uma equipa de basebol, mas os nomes são palavras comuns que geram uma confusão hilariante. Abbott diz que “Quem” (Who) está na primeira base, “O Quê” (What) está na segunda, e “Eu Não Sei” (I Don’t Know) está na terceira. Costello, confuso, faz perguntas simples como “Quem está na primeira?”, e Abbott responde “Sim”, referindo-se ao nome “Quem”. A conversa torna-se assim um longuíssimo ciclo de mal-entendidos, com Costello a ficar cada vez mais frustrado, enquanto Abbott mantém a calma, explicando o alinhamento da equipa com toda a calma. É uma obra-prima de trocadilhos e timing cómico, originalmente apresentada na rádio nos anos 1930 e depois adaptada para filme e espectáculos ao vivo.

Neste número, exibido em Monty Python’s Flying Circus em 1969, John Cleese interpreta um cliente que entra numa loja de animais para reclamar de um papagaio que comprou. Ele confronta o dono da loja, Michael Palin, afirmando que o papagaio está morto. Palin insiste que o pássaro está apenas “a descansar” ou “atordoado”, apesar de Cleese apontar que ele está claramente sem vida — “ele está pregado ao poleiro!” ou “partiu desta para melhor!”. A discussão escala, com Cleese listando eufemismos criativos para a morte (“é um ex-papagaio!”), enquanto Palin oferece desculpas absurdas, como dizer que o papagaio é um “papagaio norueguês azul que gosta de dormir de costas”. O humor vem do contraste entre a obstinação de Palin e a exasperação de Cleese, constituindo uma crítica estupenda ao mau atendimento ao cliente na vida moderna.

Em Tempos Modernos (1936), Charlie Chaplin interpreta o famoso Tramp, desta vez como um operário numa linha de montagem. Na cena icónica das engrenagens, ele trabalha a apertar parafusos em peças que passam rápido por uma passadeira. O ritmo acelera até que ele não consegue acompanhar mais, e, num momento de caos cómico, é sugado pelas enormes engrenagens da máquina. O Tramp rola e desliza entre os dentes gigantes, como uma marionete, acabando por sair ileso mas desorientado. Depois, continua a tentar apertar parafusos em tudo que vê — até no uniforme dos seus colegas. É uma crítica hilariante à desumanização do trabalho industrial, com o corpo de Chaplin tornando-se parte da máquina num magnífico espetáculo de comédia física.

Em Safety Last! (1923), Harold Lloyd interpreta um jovem ambicioso que trabalha num grande armazém. Para impressionar sua namorada e chefe, ele organiza um golpe publicitário: escalar a fachada de um prédio alto. Na cena icónica da torre do relógio, Lloyd sobe o edifício, mas tudo dá para o torto — ele escorrega, agarra-se às janelas e, no clímax, fica pendurado nos ponteiros de um relógio gigante. O ponteiro dobra sob o seu peso, deixando-o a balançar no ar, com a cidade abaixo. A sua personagem de óculos, sempre optimista, mistura pânico e determinação, enquanto o perigo real do truque (sem duplos!) amplifica o humor. É um momento de tensão e riso, definindo o estilo ousado de Lloyd no cinema mudo.

Por fim, em Duck Soup (1933), Groucho Marx interpreta Rufus T. Firefly, líder de Freedonia, e Harpo Marx é um espião disfarçado. Na cena do espelho, Harpo invade o quarto de Groucho e quebra um espelho sem querer. Quando Groucho aparece, Harpo finge ser o seu reflexo. Os dois, vestidos iguais com camisolas e chapéus, imitam os movimentos um do outro em perfeita sincronia — Groucho testa Harpo com gestos estranhos, como levantar a perna ou girar em volta de si mesmo, e Harpo copia tudo impecavelmente. O humor vem da absurdidade da situação e do timing impecável, até que Chico entra e estraga a ilusão. É uma brincadeira visual brilhante, baseada no tropo clássico de identidade trocada.