
“No espaço que viria a ser Portugal, vigorava, desde o período condal, uma guarda que se manteve sem grandes alterações na função, ao longo de toda a cronologia estudada. Este grupo, denominado schola ou scola no início do séc. XII, encontra-se explicitamente identificado no Foral de Coimbra de 1111, que assim se referia aos companheiros do Conde D. Henrique, por oposição aos homens do Concelho. No Foral de Soure, do mesmo ano, encontramos nova referência explícita. Os documentos referidos posicionam schola – substantivo coletivo – na condição de confirmante, juntamente com o Concelho, deixando subjacente que, pelo menos no início do séc. XII, a guarda do conde se confundia com o conjunto de próceres que o acompanhavam, isto é, não existia uma distinção nítida entre um conceito de “homens da Casa de…” e o de “Guarda de…”, como viria a ocorrer mais tarde, começando a distinção a ser mais nítida em finais da centúria de Duzentos e inícios da seguinte. Em todo o caso, independentemente de conseguirmos efetuar uma destrinça clara em cronologias mais recuadas, a mesnada régia, ou seja, os companheiros de armas do rei, podiam ser entendidos como o somatório dos elementos da sua guarda e os outros colaboradores que, por integrarem o seu séquito, também o acompanhavam na guerra. Entre os constituintes da schola encontravam-se cavaleiros, escudeiros, besteiros e, provavelmente, outros auxiliares num coletivo permanente mas sem constituição fixa, para o qual a generalidade dos autores tem interpretado designações como “comilitones mei”, “meu militum”, “nostris hominibus” ou “nostro militi” como indício de pertença àquele grupo. No entanto, na maioria dos casos pode duvidar-se se estas expressões correspondem a um serviço direto na companhia do rei ou, pelo contrário, se referem apenas à relação de vassalagem para com o Monarca. É possível que alguns nomes dos companheiros dos condes de Portugal que figuram na diplomática disponível, quer como confirmantes, quer como testemunhas, fossem elementos da schola. São os casos de cavaleiros francos como Uzberto e Artaldo, este último escudeiro da Rainha D. Teresa, que terá vindo da Borgonha com o conde Dom Henrique. No Foral de Castreição (c. Trancoso), D. Sancho I referiu-se explicitamente a quatro cavaleiros, um deles, Soeiro Soares, como “homo noster” (seu e da Rainha D. Dulce) e três outros como “militibus nostri”, Afonso Pedro, Pedro Pais de Gemonde e Fernando Pais, de Entre-o-Ave-e-Este. Estes ou eram cavaleiros per naturam ou não-nobres, detentores de cavalarias atribuídas pelo rei, embora a designação toponímica da proveniência adicionada aos dois últimos possa indicar serem indivíduos de linhagem. Sem dados adicionais, não conseguimos perceber se pertenciam ou não à schola. Na doação que o mesmo Monarca faz, em 1200, a Rodrigo Martins, seu porteiro e cliente, parece-nos mais provável que pelo menos parte das testemunhas elencadas fizesse parte da guarda régia. Foram referidos D. Gonçalo Mendes, Dom Rodrigo Mendes, Vasco Mendes, Mendo, Paio, Egas e Afonso, todos “principibus et militibus” do rei. Os três primeiros eram irmãos, ricos-homens, filhos legítimos do Conde D. Mendo Gonçalves de Sousa, o Sousão, talvez sejam eles os designados por “principibus” e é certo que, na ocasião da outorga, acompanhavam o rei. Na data do documento, Gonçalo era Mordomo da Cúria e Rodrigo tinha sido Alferes-mor em 1192 e entre 1196 e 1198. Vasco não tinha ocupado nenhum cargo palatino e é possível que, por essa razão, ao contrário dos seus irmãos, não tenha sido distinguido com o designativo “domno”. Os restantes quatro, talvez sejam os mesmos que o documento refere como “militibus”. Não podendo estar certos de que todos os sete cavaleiros faziam parte da schola, é verosímil a hipótese de que pelo menos os três Sousões a ela pertencessem à data da outorga. A schola funcionaria como um grupo permanente e fixo, mas socialmente heterogéneo, que tinha de estabelecer uma boa articulação sob o ponto de vista militar. Entre as suas tarefas contar-se-ia a guarda pessoal do Monarca, com especial preponderância para a sua proteção e do seu pendão no campo de batalha, mas também a atribuição de missões em autonomia, como pode ter sido o caso de Vasco Mendes, que surge como executor da destruição da quintã de Lourenço Vasques da Cunha, em 1210, a mando de D. Sancho I A heterogeneidade dos cavaleiros da schola poderia estar patente no equipamento que possuíam. Entretanto, à medida que os companheiros dos reis foram sendo cada vez mais provenientes de uma nobreza que se tendeu a encerrar como grupo social, é natural que as panóplias se fossem uniformizando, a ponto de se verificar, como salientou José Mattoso, que só os cavaleiros que constituíam as mesnadas dos reis e grandes senhores tinham a capacidade de se equipar com a vanguarda do equipamento disponível e ainda substituir regularmente os cavalos perdidos na guerra. Tal remete também para a escassez quase constante e para o elevado custo de equipamento militar e justifica um uso que perdurou durante toda a Idade Média, a satisfação da lutuosa, bem descrita ao tempo de D. Afonso III, através do Regimento da Casa Real, de 1258. O degredo 20º determinava que, por morte de um cavaleiro, fosse dado ao rei o cavalo do defunto ou cem morabitinos, dos que o soberano lhe dava em soldada durante a vida, bem como a loriga, lorigão e armas. O rei faria então mercê destas armas e cavalo ao cavaleiro que o substituísse. Como qualquer corpo militar que se pretende coeso, os cavaleiros da schola deveriam praticar rituais de iniciação. Mesmo sem um ideário de cavalaria completamente consolidado, como se verificaria a partir da segunda metade do séc. XIII, a investidura era praticada e constituía um acontecimento marcante e extraordinário. Infelizmente não dispomos de dados que nos permitam identificar estes procedimentos, mas temos ecos da ascensão à categoria de cavaleiro no seio do corpo que acompanhava o Monarca, no caso de Gonçalo Pais Taveira, armado cavaleiro por D. Afonso II e tendo feito parte da Casa do Rei. Um outro grupo integrante da guarda régia era o dos escudeiros, cujas referências documentais podem ser detectadas em continuidade quer no período condal, quer nos primeiros cinco reinados. A designação tem um sentido funcional, correspondente a uma posição inferior à do cavaleiro, podendo este ser fidalgo ou vilão, embora possamos presumir que entre os cavaleiros da schola, só figurassem, ou pelo menos predominassem, escudeiros nobres (…)”.
– “A Guerra Cristã na Formação de Portugal – 1128-1249”, de Carlos Filipe Afonso.