Sobre a diegese mitológica imigracionista

Os apologistas do imigracionismo recorrem com frequência a uma premissa que pretendem ser irrefutável: sempre houve fluxos migratórios, logo a sua ocorrência é natural. Esta afirmação, embora verdadeira num plano meramente factual, revela-se um raciocínio falacioso quando usada como justificação universal simplificadora com o intuito de silenciar qualquer discussão relacionada com a temática. É certo que, em diferentes épocas, povos se deslocaram. Porém, omitir os riscos e problemas associados, e que jamais tais fluxos se verificaram num contexto de oito mil milhões e de meios tecnológicos que favorecem e aceleram deslocações em larga escala, bem como no quadro de Estados dotados de sistemas de assistência social vulneráveis a abusos,  é um exercício demonstrativo de má-fé e de manifesta desonestidade intelectual.

Outro argumento habitual da narrativa imigracionista é o do alegado enriquecimento económico. Invoca-se acriticamente que a imigração oriunda de países do vulgarmente chamado terceiro mundo traz maior prosperidade e ajuda à sustentabilidade dos sistemas assistencialistas. A investigação empírica, incluindo estudos realizados em países como a Dinamarca, dotados de sistemas estatísticos rigorosos, demonstra que tal não se verifica.¹ Quando existe algum ganho, este beneficia sobretudo determinados sectores empresariais ou grupos que lucram com mão-de-obra barata, não se traduzindo num benefício financeiro para a comunidade nacional nem para o orçamento público.

É igualmente frequente a invocação de um suposto enriquecimento cultural, por norma reduzido a aspectos gastronómicos ou alimentares. Contudo, tal conceito carece de definição objectiva, e admitir que uma dada influência é enriquecedora ou empobrecedora implica reconhecer a existência de culturas intrinsecamente superiores ou inferiores, uma noção de difícil sustentação e validação. O sincretismo resultante da fusão ou coexistência de culturas raramente origina uma síntese harmoniosa; pelo contrário, tende a dissolver elementos identitários de ambas as partes sem que daí decorra necessariamente um acréscimo comprovado de valor cultural.

Assim sendo, passo a enumerar algumas razões pelas quais os presentes fluxos migratórios que se procuram apresentar como inevitáveis são, de facto, inaceitáveis:

I. Escala e ritmo sem precedente

As migrações de outrora eram limitadas por obstáculos geográficos, transportes rudimentares e fronteiras vigiadas. Hoje, a rapidez e a escala tornam impossível qualquer assimilação gradual. Alterações demográficas profundas que outrora levariam séculos podem consumar-se em poucas décadas.

II. Diferença entre mobilidade histórica e mobilidade em larga escala

O deslocamento de comunidades pontuais ou de contingentes resultantes de conflitos locais não é comparável à transferência populacional intercontinental para regiões densamente povoadas e culturalmente consolidadas.

III. Impacto sobre o contrato social

O Estado social assenta num pacto implícito entre contribuintes e beneficiários. A imigração em massa, quando orientada para usufruto de prestações, fragiliza financeiramente esse pacto e fomenta tensões internas.

IV. Assimilação e multiculturalismo

Uma integração sustentável implicaria a adopção gradual da cultura anfitriã. Actualmente, o modelo prevalente é o do multiculturalismo paralelo, no qual comunidades convidadas mantêm códigos e costumes próprios, criando fragmentação social. Quando os números são elevados, é a cultura receptora que se vê compelida a ceder.

V. Selecção de destino e desequilíbrio global

O afluxo concentrado a certas regiões do globo, sobretudo a Europa, revela um desequilíbrio sistémico. Continentes vastos como África e Ásia possuem recursos e espaço. A concentração quase exclusiva no Ocidente gera dependência e desincentiva o desenvolvimento local.

VI. Soberania e consentimento

Alterações demográficas e culturais profundas constituem mudanças estruturais na essência da nação e deveriam ser objecto de deliberação democrática, não de imposição por elites políticas ou interesses externos.

VII. Mudança demográfica irreversível

A grande escala e a natureza cumulativa da imigração tornam os seus efeitos demográficos permanentes, mesmo que as políticas sejam revertidas no futuro.

VIII. Segurança interna

Fluxos descontrolados favorecem redes de tráfico humano, infiltração de elementos hostis e expansão do crime organizado, comprometendo a segurança pública.

IX. Pressão sobre recursos e infra-estruturas

Serviços públicos como saúde, habitação e educação ressentem-se de aumentos populacionais abruptos, afectando sobretudo os nacionais mais vulneráveis.

X. Desvalorização salarial

O ingresso de mão-de-obra pouco qualificada comprime salários nos sectores menos protegidos, beneficiando grandes empregadores e prejudicando trabalhadores autóctones.

XI. Erosão do capital social

A confiança mútua e a coesão comunitária, fundamentos do capital social, enfraquecem quando normas e referências comuns se fragmentam sob o peso de diferenças culturais não assimiladas.

XII. Impacto ambiental

A migração em larga escala acarreta custos ambientais, desde o transporte intercontinental até à sobrecarga urbana, incompatíveis com discursos de sustentabilidade climática.

XIII. Interesses económicos e políticos ocultos

O imigracionismo serve frequentemente interesses de elites económicas que procuram mão-de-obra barata e de actores políticos que visam alterar a composição do eleitorado, mais do que fins genuinamente humanitários.

XIV. Dupla moral internacional

Muitos países de origem mantêm leis severas relativamente à imigração e defendem zelosamente a sua identidade cultural, ao mesmo tempo que exigem abertura irrestrita aos países ocidentais. Esta postura revela um desequilíbrio ético e jurídico evidente.

Cumpre observar que, ainda que fosse verdadeiro o postulado segundo o qual a imigração oriunda de países subdesenvolvidos contribui para equilibrar as contas do Estado social, tal fluxo não resolveria a causa primeira do desequilíbrio. Esta é de natureza eminentemente civilizacional. Acresce que a própria racionalização desses fluxos, quando concebida sob este prisma, reduz o imigrante à condição de servo destinado a sustentar, com o seu labor, reformas e prestações de um sistema de base piramidal invertida.
Importa igualmente frisar que tomar um posicionamento contrário ao imigracionismo não implica assumir uma posição isolacionista, nem pressupõe recusa de um convívio saudável e mutuamente enriquecedor entre nações e culturas. Trata-se, antes, da legítima salvaguarda da soberania, da identidade histórica e da coesão social, sem as quais nenhum país pode perdurar e prosperar. Convém também rejeitar a associação da defesa destas posições a sentimentos de animosidade ou preconceito, pois o seu fundamento reside na razão, na prudência e na responsabilidade política. Não caiamos, portanto, em falácias cujo único propósito é perpetuar um statu quo notoriamente exaurido e catalisador de um descontentamento cada vez mais difuso. Espero que esta exposição de ideias e informações sirva ao leitor como instrumento para desmontar o mito imigracionista que, em certos discursos políticos, se converteu em mantra dogmático e sofístico.

1- Hansen, M. F., Schultz-Nielsen, M. L. & Tranæs, T. (2017). The fiscal impact of immigration to welfare states of the Scandinavian type. Journal of Population Economics, 30, 925-952. DOI: 10.1007/s00148-017-0636-1. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s00148-017-0636-1