Sobre Canções Anti-Estrangeiros e Anti-Imigração

A propósito da canção “Auslander Raus” — uma versão da composição de música de dança tecnho intitulada L´Amour Toujours, de Gigi D´Agostino, à qual se sobrepõe a letra “Deutchland und Deutschen, Auslander Raus, cuja tradução será simplesmente “Alemanha aos alemães, estrangeiros fora” — que se tem popularizado na Europa cética quanto a imigração, e como gostamos de perspectiva, abordamos hoje outras micro-tradições, provenientes de outras partes do mundo, de movimentos especificamente contra estrangeiros e contra imigração em geral ou vagas específicas de imigração. Estes pontos de vista podem partir de uma concepção étnica da população nativa e da vaga invasora, ou de nacionalidade de modo mais abstracto e quase burocrático. A primeira será a mais comum, dado que se alicerça nos mecanismos naturais de afinidade e de rejeição que todos os seres humanos possuem e que põem em acção quer na relação comunitária entre o seu próprio grupo quer na relação de si próprios ou desse mesmo grupo em relação a grupos exteriores.

Começamos com o caso clássico da canção de intervenção “Kill the Boer”, popularizada durante a segunda metade do século XX na África do Sul dominada pela minoria étnica Afrikaander, de origem étnica do norte da europa, regime que aplicava uma política de apartheid baseada em desigualdades cívicas graves em relação à etnia bantu e outras de fenótipo negro, naturalmente maioritárias na zona. Usada inicialmente pelo African National Congress, o ANC, como protesto face à minoria branca latifundiária, dona de grandes unidades de produção de agricultura, evoluiu mais tarde para uma expressão sumariamente anti colonial. Depois da instauração da democracia plena, nos anos noventa, foi brevemente esquecida e têm sido pontualmente recuperada como símbolo de um novo nacionalismo étnico. É importante sublinhar que na expressão tribal africana sub-saariana, de modo geral, enunciados que aparentem promover a morte ou o assassinato possivelmente nem sempre representarão esse desejo literal, o que pode envolver uma questão de tradução turva ou ambígua, mas sim um desejo de aniquilação/expulsão/derrota do inimigo. No famoso combate de boxe entre os pugilistas Muhammad Ali e George Foreman, no Zimbabwe dos anos sessenta, as multidões locais, com as quais o primeiro tinha criado afinidade, gritavam “Ali, Boma Ye”, o que significa literalmente “mata-o”, embora seja muito duvidoso que de facto essa morte fosse uma literal. Podem ler mais sobre o assunto aqui.

Continuamos com um exemplo da ásia, não do ambiente cultural especificamente cosmopolita e de já mais de um século e meio de história de Hong Kong, mas da China interior, na cidade de Chengdu. “Stupid Immigrants”, de Xie Di, aponta o alvo aos expatriados anglófonos, maioritariamente do Reino Unido, que têm também presença regular em Portugal desde há alguns anos e que chegaram também à China, aproveitando a prosperidade económica de todo o país. As críticas presentes na música são tão diversas quão focadas num único objectivo: insultar, denegrir e enxotar os estrangeiros. Essas incluem a sua estupidez, o fascínio que as mulheres nativas ingénuas têm por eles — problema apontado em muitas culturas, inclusive na nossa —, a ideia de que os outros países enviam os seus piores elementos para lá, etc. Podem encontrar a letra completa algures aqui.

Por último, abordamos a cena musical de supremacia Hindu, em particular no seu aspecto anti-islâmico, que tem ganho força nos mandados já de mais de uma década do presidente Narendra Modi. Designada por hindutva pop, são composições populares simples focadas em letras de conteúdo antagonistico com a minoria islâmica, propostas de que vão para o Paquistão e saiam da Índia, louvores à religião hindu, nativa do território, etc. O crescimento da direita a nível parlamentar tem também coincidido com esta nova vaga de nacionalismo no país, e esta forma de expressão musical é, na verdade, das mais leves e tradicionais aqui descritas, sendo a sua maior força encontrada no conteúdo agressivo das letras e na associação próxima entre movimentos políticos e as canções. Podem ler mais aqui e aqui.

É importante notar que todas estas são canções de protesto e têm lugar no mesmo panteão de Woody Guthrie, Paco de Lúcia ou José Mário Branco. Se estes primeiros três defendem, grosso modo, classes económico-sociais por oposição a outras, os anteriormente abordados defendem comunidades étnico-culturais por oposição a outras, sejam recém-chegadas ou já estabelecidas, estejam em posições de poder ou não, mas de igual modo sobre condições de existência em grupo.