
Sentados na comodidade da democracia burguesa que fingem desprezar, gritam que a ascensão da extrema-direita é culpa do algoritmo. Que o tiktok transformou putos em fachos, que o face fez da avó da Mortágua uma nacionalista convicta, e que o whatsapp radicalizou taxistas entre a partilha de fotografias de gajas nuas e palavras de ordem contra os comunas.
Esquecem-se, como sempre, que a história não começou em 2024, nem em 1974, e muito menos com a primeira selfie do Ventura.
Até parece que a 1ª República caiu por causa de fake news disseminadas em código morse, por memes desenhados à pena e partilhados nos cafés da baixa. Que o Bernardino Machado era alvo constante de deepfakes feitos em xilogravura, onde aparecia com saia e busto de Maria da Fonte, acusado de querer instaurar o comunismo esotérico. Que a Carbonária tinha um grupo secreto no telegram, versão papel, onde se discutia a infiltração dos comunas no clero e a maçonaria na ASAE.
Até parece que em 1926, o golpe de estado foi convocado por telegram. Com a convocatória terá seguido um excel com as senhas, locais e os hashtags da revolta. Eram só paleonazis. O contrário de neonazis, pronto, porque foi antes do Adolfo.
E depois da queda da 1ª República, como é que Salazar chegou ao poder? Tudo terá começado com um vídeo viral no tiktok. Salazar a caminhar pelas escadas da Universidade de Coimbra, e no copy do vídeo um singelo “contas certas = país certo. É preciso acabar com a bandalheira!”. Salazar foi obviamente o primeiro dos influencers políticos a galgar o populismo das redes sociais, encavalitado nas fake news. O sucesso terá sido imediato. As massas, fartas de ver governos a cair mais depressa do que stories no Instagram, entregaram-se de bom grado à promessa de silêncio, pão e trabalho.
E é isto que não encaixa no delírio digital da esquerda obsoleta. Os regimes autoritários não precisam de redes sociais para nascer. Basta-lhes o caos. Basta que a democracia se transforme num circo autofágico, em que ninguém acredita em nada, em que todos gritam, todos roubam, todos trocam de cadeira como num jogo de musical de indigência política. E foi precisamente isso que aconteceu na 1ª República.
Não havia tiktok, mas havia fome. Não havia X, mas havia tiros nas ruas. Não havia algoritmos, mas havia uma vontade generalizada de ordem, nem que fosse pela força.
Portanto, culpar a tecnologia de hoje pelo autoritarismo de amanhã é como culpar Gutenberg pela Inquisição. É uma forma conveniente de não olhar para dentro, de não admitir que os populismos crescem porque os sistemas democráticos apodrecem de dentro para fora. Que Salazar não precisou de face para nada, bastou-lhe a república a cair aos bocados e meia dúzia de tipos com saudades do absolutismo.
Mas pronto. Que continue o delírio. Que se acredite que um tweet é mais perigoso que a destruição sistemática da autoridade do Estado. Que se diga que a culpa é do feed e do algo, e não da fome. Que se exija mais moderação nos comentários, mas nunca nos partidos. E que se esqueça, como sempre, que a história não precisa de likes e RT’s para se repetir.
Basta apenas que ninguém a leia ou que a reescrevam a seu belo prazer e intento.