
Uma Cantiga de Escárnio a um Nobre de Guimarães [D. Rui Gomes de Briteiros] e à sua família, no tempo de D. Afonso III, por estes não armarem bem os seus homens para a Guerra (para o Português corrente).
“Estava-se Dom Belpelho em uma sua maison
Que chamam Longos, dond´eles todos som
Per porta lh´entra Martim de Frazom,
Escudo a colo em que esteve um capom,
Que foi já poleir´em outra sazom,
Cavalo agudo, que semelha forom;
em cima dele um velho selegom [sela grande], sem estrebeiras e com roto bardom;
nem porta loriga nem porta lorigom,
nem geolheiras, quais de ferro som,
Mas traz perponto roto sem algodom
e coberturas dum velho zarelhom;
lança de pinho e de bragal o pendom,
Chapel de ferro, que se lhe mui mal pom [põe], e sobraçado um velho espadarrom,
Cuitel cachado, cinta sem farcilhom,
Duas esporas destras, ca sestras nom som,
Maça de fuste, que lhe pende do arçom.
A Dom Belpelho moveu esta razom:
– Ai, meu Senhor, assi Deus vos perdom,
onde é João Aranha, o vosso companhom e vosso Alferes, que vos tem o pendom?
Se é aqui, saia desta maison,
que já outros todos em Basto som.
Eoi!
Estas horas chega João de Froiam,
cavalo velho, caçurro e aleixam [aleijão],
sinais [brasão] porta em no arçom de avam [frente]:
campo verde, onde fareja o cam, e no escudo a tais lhe acharam;
Cerame e cinto e calças de Roam,
sua catadura semelha de um jaiam [gigante].
Ante Dom Belpelho se vai se aparelhan
e diz – Senhor, nom valereis um pam
Se os que som em Basto se vi vos assi vam;
Mais ide a eles, que se vos não iram: achá-los-edes e escarmentaram.
Vingade a casa em que vos mijaram [mijarão],
Que digam todos quantos pós vós vierem
Que tal conselho deu Joam de Froiam.
Eoi!
Isto per dito chegou Pero Ferreira,
cavalo branco, vermelho na peteira,
Escudo a colo, que foi de uma masseira, Sua lança torta de um ramo de cerdeira,
Capelo de ferro, o anasal na trincheira [a parte que protegia o nariz estava na orelha]
E furado em cima da moleira;
Traz uma osa e uma geolheira,
Estrebeirando vai de mui gram maneira;
e achou Belpelho estando em uma eira e diz: – Aqui estades, ai, velho de matreira!
Venha Pachacho e Dom Roi Cabreira [outros dois vassalos dos Briteiros]
pera darem a mim a deanteira,
que já vos tarda essa gente da Beira,
o Mordomo e o sobrinho de Cheira,
e Mem Sapo e Dom Martim de Meira e Lopo Gato, esse filho da freira,
Que nom há entre nós melhor lança peideira.
Eoi!”.