Sobre habitação: basculando entre imbecilidade e populismo

Existem em Portugal 2,9 milhões de proprietários e respetivas famílias que discordam de algumas barbaridades…

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É. O último censo sério sobre habitação foi conduzido pelo INE em 2021. Eu sei que estamos em 2025, o preço da habitação está mais alto, mas o cenário de fundo não mudou assim tanto. Temos mais de 2.900.000 proprietários de habitação em Portugal, mais as respetivas famílias. São muitos eleitores! Sabem qual é o interesse desta gente na queda do preço do imobiliário? Zero ou próximo de zero. O imobiliário funciona em Portugal como uma forma de investimento da poupança, juntamente com depósitos a prazo e certificados de aforro. E ao longo das últimas décadas o imobiliário tem sido o abono de família de muitos, seja pela valorização e venda, ou pela herança e posterior venda. E explica muito do nível de vida que alguns portugueses levam considerando os salários que temos em Portugal.

Mas sim, eventualmente não será sustentável. O ponto é que quando Mariana Mortágua ataca os proprietários, na figura dos fundos de investimento, está na realidade a atacar uma vasta e esmagadora franja da população portuguesa. Sim, os proprietários gostam de ver os seus ativos, os imóveis, a valorizar. E essa é que é a questão grossa, como diria Paulo Raimundo.

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Pois: a mana quer colocar tetos nas rendas. Mas olhem lá para a distribuição das rendas em Portugal. Só 20 mil estão acima dos 1000 €. Uma fatia relevante está abaixo dos 100 €. O grosso está entre os 100 e os 1000 €. E este é o retrato real do mundo do arrendamento em Portugal.

Se à data de hoje é possível encontrar rendas baixas? Eu sei que não, mas este mercado, o do arrendamento, está carregado de distorções. Colocar tetos às rendas é apenas mais uma que iria afastar potenciais arrendatários. Aliás, as regras atuais já afastam.

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Agora olha para a distribuição da habitação. A esmagadora maioria está ocupada para habitação própria permanente, como é óbvio. Poco mais de um milhão de fogos são habitações secundárias, casas de férias, que normalmente não estão nos grandes centros urbanos, mas em destinos de férias. Mais de 300 mil estão entre o Alentejo e Algarve. Há 348 mil habitações para arrendamento ou venda, e depois, vago, mas não disponível no mercado, a última coluna à direita, 375 mil habitações. Não é um número que possamos ignorar, mas também não é a sua colocação no mercado de arrendamento que iria resolver o dito problema da habitação em Portugal. Muito menos com tetos máximos nas rendas!

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Agora, claro, quando se vive dentro da bolha de Lisboa percebe-se que a realidade não é bem a mesma. Para interpretação deste mapa, a cor mais escura e azulada mostra-nos uma percentagem maior de proprietários de alojamentos familiares, mais claro nas “bordas” de Lisboa. No centro, de facto, os donos da habitação são outros. Mas lá está, alguém teve que os vender. Alguém quis vender porque achou que o preço era bom ou precisava de dinheiro. O mal está feito, agora é aprender a lidar com esta realidade. Não vamos voltar a ter agregados familiares da classe média a viver no centro de Lisboa, não dá. E também não tem que ser.

O país é muito mais do que Lisboa, e esse é o principal erro de gente como a mana Mortágua: pensar que é.

Fonte de informação na base: INE – Censo de 2021, https://censos.ine.pt/xportal/xmain?xpgid=censos21_habitacao&xpid=CENSOS21.

Em conclusão: a mana foi várias vezes à televisão confirmar aquilo que todos já sabíamos, o Bloco é uma start-up de ideias falidas com sede na bolha do Reddit. Apresentou-se com a segurança de quem nunca geriu uma mercearia mas tem opiniões muito fortes sobre como deve funcionar o mercado. Entre dois sorrisos ensaiados e uma ou outra tentativa de parecer a voz dos “sem casa”, a mana explicou, com a convicção de um influencer vegan a falar de bifes do lombo, que o segredo para haver mais casas no mercado é, imagine-se, pôr um teto às rendas. É a mesma coisa do que dizer que a melhor forma de produzir mais leite é espremer menos e com mais carinho as tetas da vaca.

Diz a moça que se os senhorios forem impedidos de ganhar dinheiro, vão magicamente colocar mais casas no mercado. Um raciocínio tão lógico como meter um cadeado no frigorífico à espera que ele encha. Top! Mas não se atrapalhou. Entre uma defesa épica dos direitos dos inquilinos e uma frase tirada de um qualquer manual de “economia para poetas ”, a sempre radical mana desenhou em direto na RTP um país onde os proprietários são um bicho estranho que compra casa só pelo prazer de as ver ali ao abandono. Estranho, muito estranho!

Meus amigos, cada vez mais o discurso do Bloco parece um palacete em ruínas com janelas de demagogia e telhado de pura negação da realidade. E é por isso que têm o destino traçado. Mas ela foi lá à RTP, bater o pé ao entrevistador, e disse tudo, menos o essencial.

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O Bloco de Esquerda, mais conhecido como o partido das manas, quer colocar tetos às rendas, como em vários países europeus….

A proposta do Bloco é inspirada no modelo holandês, curiosamente governada por uma coligação de direita liderada pela extrema-direita de Geert Wilders, do Partido para a Liberdade, PVV. Ironia do destino. E eu, curioso como sou, fui espreitar a proposta do Bloco, e depois fui perceber como funciona o modelo holandês.

Sim, enquanto que um modelo foi regurgitado à volta de uma fogueira numa noite de festa animada, o outro, de facto, tem cabeça, tronco e membros.

Só para terem uma ideia, o modelo holandês aplicado a Portugal ia permitir-te encontrar um T3 com uma renda máxima de 771 € em Alçaperna, que é ali para os lados da Lousã.

Bem, mas vamos lá ver isso então…

Bom, a proposta do Bloco é esta:

“Criar tetos máximos para rendas inferiores aos valores definidos na Portaria n.o 277-A/2010, de 21 de maio, tendo em consideração variáveis como: área do imóvel, qualidade do alojamento, certificação energética, localização e tipologia. Esta medida deve ser combinada com a limitação da atualização legal das rendas considerando a evolução do poder de compra.”

É verdade que o modelo holandês impõe tetos a algumas rendas em função da área do imóvel, qualidade do alojamento, certificação energética, localização e tipologia. Essa é a base comum, que irei detalhar no caso do modelo holandês.

Mas isto para o Bloco é só fachada, porque o que o Bloco quer é tetos às rendas abaixo dos valores definidos na Portaria n.o 277-A/2010, de 21 de maio, que suporta o programa de apoio financeiro Porta 65, um programa completamente falhado de apoio ao arrendamento jovem. Permitam-me partilhar os valores:

Grande Lisboa:​

T0 a T1: 514 euros​

T2 a T3: 669 euros​

T4 a T5: 771 euros​

Grande Porto:​

T0 a T1: 412 euros​

T2 a T3: 514 euros​

T4 a T5: 669 euros

Algarve:​

T0 a T1: 412 euros​

T2 a T3: 514 euros​

T4 a T5: 669 euros

Ora se o Porta 65 é um programa falhado, imaginem a proposta do Bloco!

No entanto, se obrigarmos os senhorios a arrendar, ou até, quiçá, tomarmos de assalto a propriedade privada, então talvez resulte durante um ano ou dois até entrarmos em colapso total e completo enquanto país.

fonte de informação: propostas do Bloco para habitação.

https://programa2024.bloco.org/capitulo-1/1-3-propostas-para-baixar-os-precos-das-casas/?utm_source=chatgpt.com

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O modelo holandês na Holanda, país onde até as vacas têm seguro de saúde, existe de facto um sistema chamado huurprijsregulering, nome bonito para “não vais pedir o que te der na gana pelo T0 com vista para o beco”.

Este sistema aplica-se sobretudo às rendas sociais (sociale huur). Funciona com uma espécie de tabelinha de pontos, o WWS (Woningwaarderingsstelsel, que soa a feitiço do Harry Potter), onde se mede tudo: área, janelas, se tens torneira a pingar ou vizinho que toca saxofone. A soma dos pontos diz quanto podes cobrar de renda.

Mais pontos, mais euritos. Menos pontos, azarito.

Teto de renda com base nos pontos: o modelo

O governo publica anualmente uma tabela que liga o número de pontos a uma renda máxima permitida. Por exemplo (valores indicativos de 2024):

100 pontos → renda máxima de ± €597

150 pontos → renda máxima de ± €800

200 pontos → renda máxima de ± €1.000

Se a casa tiver até um certo número de pontos (em 2024, cerca de 145), ela é considerada habitação social, e a renda é regulada.

Mas depois tens o segmento livre. Se uma casa tiver um número de pontos suficiente (por exemplo, mais de 145 pontos), pode entrar no mercado liberalizado (geliberaliseerde huur), onde não há limite legal para a renda. Contudo, mesmo neste segmento, o governo aplica medidas de controlo indireto, como limitação de aumentos anuais de renda e incentivos fiscais e penalizações.

Ora como imaginas, para ter um score abaixo de 145 é preciso ser um vão de escada! E isto aplica-se maioritariamente à habitação social, pertença das cooperativas que abundam na Holanda, num regime semi-privado em que há colanoração com o Estado.

Isto dito, atenção. Já em 2024. As limitações às rendas no setor privado nos Países Baixos já entraram em vigor. A Lei das Rendas Acessíveis (Affordable Rent Act) foi implementada em 1 de julho de 2024, introduzindo controles de renda para o segmento de arrendamento de médio porte. ​

Esta legislação expandiu o sistema de pontos existente (Woningwaarderingsstelsel ou WWS) para abranger propriedades com até 186 pontos, o que corresponde a uma renda máxima de aproximadamente €1.157,95 por mês. Anteriormente, apenas propriedades com até 145 pontos estavam sujeitas a controles de renda, classificadas como habitação social.

Mas posso-te garantir que numa casinha decente em Amesterdão com vista para os canais não vais encontrar nada abaixo dos 186 pontinhos…

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Então vá! No meu direito a uma vida digna e justa decidi ir viver para Amesterdão, aqui: Herengracht 497, 1017 BT Amsterdam

Vamos lá qual é a renda que me espera!

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Olha, uma casinha pequena, 59 m2, 1,217 €.

Nota que o valor de mercado é uma variável importante na avaliação da renda. Depois tens todo o tipo de perguntas para perceber a qualidade da habitação.

Se eventualmente não tiver WC, fica de facto mais barato…..

Se também quiseres brincar, podes fazê-lo aqui:

https://huurprijscheck.huurcommissie.nl/en/self-contained-accommodation

Em conclusão: tetos nas rendas como na Holanda, diz o Bloco! Mas calma, que o modelo vem adaptado ao contexto nacional. Ou seja, retiraram-lhe os dentes, cortaram-lhe os braços e mais alguns membros, e ficamos só com o dedo mendinho do pé. O resultado? Um brilhante plano para termos um T0 no Chiado a 500€, sem sanita, sem eletricidade e com um senhorio que só aceita arrendar pelo teto máximo se o resto vier por debaixo da mesa.

A ideia desta gente é simpes. Parecer que somos a Holanda, mas com o jeitinho de quem põe papel autocolante a fingir que é mármore na bancada da cozinha. Chama-se socialismo decorativo.

O teto à renda vai trazer justiça à habitação. Ora claro! Porque todos sabemos que é justo o Estado fixar o preço do arrendamento de uma casa sem janelas em Alcântara a 480€, enquanto o senhorio vende a fração do lado como T0 “open space artístico” por meio milhão a um puto nómada digital dinamarquês que quer viver em Portugal porque as ondas são boas para surfar!

isto é trotskismo de condomínio meus amigos! Revolucionário nas reuniões, mas que se ajoelha à primeira ata do senhorio.

Se isto for aplicado, em breve o sonho de qualquer jovem português será mesmo conseguir alugar uma marquise em Entrecampos por 450€, partilhada com um router e um aquecedor a óleo, com a etiqueta a dizer:

“Inspirado na Holanda. Produzido num palácio da Rua da Palma.”