Um retorno ao Belo: uma revisitação ao Belo na Antiguidade e na Idade Média, texto de Yasmin Ferreira Freitas, Mestranda em Educação Clássica. Resumo: onde se revista o conceito de Belo. Iniciando com Platão e Aristóteles, compreenderemos o conceito de Belo nos respectivos autores e a ligação do Belo com o conhecimento. Posteriormente, iremos observar o Belo na Idade Média, trazendo ênfase para os trabalhos de Tomás de Aquino. Nesta análise, temos como objetivo não restabelecer os valores estéticos deixados pela Antiguidade e pela Idade Média, mas retornar ao marcos deixados por eles.
Introdução
O Belo, um conceito amplamente discutido ao longo dos anos. Umberto Eco, visou fazer uma investigação do conceito diacronicamente em seu livro“ A História da Beleza”. Apesar de muitos não considerarem o livro como uma investigação sobre a Beleza, pois por vezes no livro não vemos uma distinção muito clara entre a arte e a beleza. Umberto Eco navega entre os dois conceitos, trazendo um banco extenso de imagens e referências sobre o tema. Como Umberto Eco, muitos se perderam em busca do Belo não por um ânimo dobre, mas por nunca a terem perdido. Só encontramos o que perdemos.
Palavras-chaves: Belo, Beleza, Conhecimento,
Desenvolvimento
- O Belo em Platão e Aristóteles.
Na Antiguidade, não existia uma preocupação explícita em relação à estética, pois o conceito era tão intrínseco aos costumes, tão arraigados em aos valores, faziam parte da tradição. Filósofos como Platão e Aristóteles saem um pouco da tradição, em ligeiros pensamentos sobre a beleza. Consideramos tradição no sentido da continuidade ou permanência de uma doutrina, visão de mundo, costumes e valores do grupo social que estavam inseridos.
Em Platão, o belo vem por meio da intuição ou noésis, não por um conhecimento hipotético-dedutivo ou dianóia. Os objetos são considerados belos por serem parte da beleza em si. O belo encontra-se no cosmo platônico como integrante da concepção do mundo perceptível, ligando-se ao conceito de kalokagathia:“ o que é bem, também é belo”.
Na concepção aristotélica, existem dois tipos de belo: o belo moral e o belo formal. O belo formal “é constituído pela ordem, pela simetria e por uma grandeza capaz de ser abarcada, em seu conjunto, por um só́ olhar” (ABBAGNANO, 2003). No universo de Aristóteles, o belo e o bem possuem um valor metafísico idêntico. Aristóteles desenvolveu um conceito de belo próximo ao de bem moral. O bem causa uma ação e o belo gera uma contemplação. Ao contemplar, o cognoscente poderá abstrair a beleza no objeto ou na ação.
- A relação entre o conhecimento e o Belo.
Na perspectiva platônica e aristotélica, é possível contemplar o belo e descobrir a sua essência através do conhecimento. Existe uma diferença na visão de Platão e Aristóteles em relação à arte, enquanto um mostra que a arte somente uma aparência e o filósofo é o único capaz de reconhecer o verdadeiro valor da arte, o outro possui uma perspectiva mais positiva no qual a arte é de fato uma imitação, mas pode ter um caráter elevado, como a poesia, ao afirmar os universais, as essências.
Independente da oposição, ambos demonstram que o belo é alcançável e cognoscível. Mas para conseguirmos chegar a esse ponto, devemos voltar à questão do conhecimento. Platão e Aristóteles acreditavam nas essências, nos universais. Platão diz que cada singularidade possui uma essência. Desta forma, conhecer é conhecer as essências, ou seja, o conhecimento é a busca da essência. Do mesmo modo, Aristóteles defendeu o conhecimento como a comunicação do singular de sua essência à minha inteligência.
“O auge da contemplação do belo consiste, pois, em chegar a contemplar a própria essência do belo que confere a todos os objetos particulares são um pálido reflexo de beleza. Essa essência é a ideia pura e universal do belo”. (GREUEL, p. 147, 1994)
- A relação entre o conhecimento e o Belo na Idade Média.
O Belo foi muito explorado durante a Idade Média. Muitos conceitos florescem da terra fertilizada pelas ideias de Platão e Aristóteles. Tomás de Aquino, Agostinho de Hipona, Dionísio Areopagita e outros se debruçaram com maior ou menor intensidade, implicitamente ou explicitamente sobre a beleza. Para entendermos melhor, o Belo e o conhecimento no Medievo devemos recorrer à Tríade Verdadeiro-Belo-Bom. Ela aparece inicialmente no diálogo platônico de Filebo, uma espécie de proto-forma, que depois será esquadrinhada na Idade Média, como afirmou Aertsen (2008, p.6).
A Teoria de Transcendentes que permeia a filosofia medieval, a ideia de que a criatura está envolvida nas propriedades do ser, e de que Deus é a fonte do ser. Essas propriedades estão para além das categorias aristotélicas, estão ligadas aos próprios entes. Esses transcendentes, apesar de parecem distantes, para os medievais, eram cognoscíveis. Um exemplo disso, eram as concepções de potência e de atos humanos em Tomás de Aquino, que aplicados num método de redução constituem a busca pelos transcendentes. Aquino reflete sobre o belo e o bem demonstrando a viabilidade de alcançá-los através da razão e dos sentidos.
O belo e o bem, considerados em relação ao sujeito, se identificam, porque têm o mesmo fundamento — a forma; e, por isso, o bem é louvado como belo. Mas, racionalmente, diferem, pois o bem, propriamente, se refere ao apetite, sendo o que todos os seres desejam; e, portanto, exerce a função de fim, porque o apetite é um como que movimento para a realidade. O belo, porém, diz respeito à faculdade cognoscitiva, pois, chamam-se belas às coisas, que, vistas, agradam. E, por isso, o belo consiste na proporção devida; pois os sentidos se deleitam com os seres, devidamente proporcionados, como se lhes fossem semelhantes; porque eles, ao modo de toda virtude cognoscitiva, são, de certa maneira, proporção. Ora, o conhecimento implicando assimilação, e esta supondo uma forma, o belo depende, propriamente, da noção de causa formal. (AQUINO, 2016, pp. 56–57)
Apesar das diferentes vertentes sobre o Belo, sobre sua unidade com os transcendentes ou sua existência independente de outras transcendentes. O Belo permanece aquela essência invisível, que se manifesta visível, que penetra a realidade sensível e que pode ser admirada, apreciada e perscrutada por aqueles que a discernem.
- A queda do Belo
Com o Nominalismo, o Humanismo e outras correntes filosóficas, o conceito de conhecimento se alterou. As essências não possuem realidade nos singulares, só existe o concreto. As essências tornam-se meras abstrações e não possuem ligação com a realidade. Consequentemente, o conceito de belo se esvai. Se o belo é uma essência manifestada nos singulares, e negamos a existência das essências, o belo torna-se somente uma abstração, uma imagem ligada às nossas sensações, não, a um universal. A noção de belo é somente uma construção de percepções, sensações e sentimentos, não possui valor em si. A autorreferenciação aparece como a solução para o problema. Mas como Lewis afirma:
“ Nenhuma emoção é, em si mesma, um juízo; nesse sentido, todas as emoções e sentimentos são alógicas, mas elas podem ser racionais ou irracionais quando se conformam ou deixam de se conformar à razão. O coração nunca toma o lugar da mente; mas ele pode, e deve, obedecê-lo”. (LEWIS, p.25, 2017)
Se tudo é belo, nada é belo. Só podemos dizer que algo é belo, se reconhecermos a beleza, mas se a beleza não existe como um conceito fixo, será impossível a afirmação: isso é belo. Assim como uma pessoa não conseguirá reconhecer um alomorfe, se ela não conhecer as formas fônicas fixas. C.S. Lewis resumiu o problema na seguinte proposição: “Um homem não diz que uma linha é torta se não souber o que é uma linha reta” (LEWIS, p.51, 2014).
Conclusão
Sendo assim, propomos um retorno ao Belo. Voltemos ao princípio dos gigantes, para não nos tornarmos daltônicos da beleza, limitados pela dificuldade, impostas por teorias, de identificar as cores do belo em nosso mundo material. Fugindo daqueles que, por amor à ciência, detiveram-se nos objetos estéticos, e consideraram o estudo do belo como uma espécie de devassidão.No Inferno de Dante, haveria um lugar para esses “homens do Belo” e nem por um Frankenstein ideológico, revestido de ideias derivadas das essências, mas sem as essências, um decadentismo que bebe vinho só para se embriagar, mas não para apreciá-lo.
É evidente, que o estudo do Belo tornou-se catastrófico e impossível. A relativização do belo faz com que o conceito não seja operacional. A beleza como uma concepção flexível e mutável não nos permite fazer inferências sobre ela. A inconstância é um obstáculo para definição, pois a definição recorre à comparação de preceitos estáveis. A comparação exige uma constante. Sem a constante, o que nos restará será a mera documentação. A documentação de diversas asserções, que clamaram sua afirmação em si própria, nunca poderão ser consideradas efetivas, pois não poderão ser reproduzidas. Para exemplificar, entraremos numa equação no qual a constante não existe, ou se existe, não é constante.
O objetivo final não é retornar a Antiguidade ou a Idade Média, pois nunca poderemos retornar aquelas eras, aquelas mentalidades, mas devemos retornar aos marcos deixados por elas.
Referências Bibliográficas
AERTSEN, J. A. “A tríade ‘Verdadeiro-Bom-Belo’: O lugar da beleza na Idade Média”. In: Viso: Cadernos de estética aplicada, v. II, n. 4 (jan-jun/2008), pp. 1-19. DOI: 10.22409/1981-4062/v4i/49
ARISTÓTELES. Poética. Tradução Eudoro de Sousa. 2. ed. Imprensa Nacional – Casa da Moeda. 1990. Série Universitária. Clássicos de Filosofia.
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Belo (verbete). São Paulo: Martins Fontes, 2006
COARÇÃO, G. Dois amores, duas cidades. 2.ed. São Paulo: Vide Editorial, 2019.
ECO, Umberto (org.).História da Beleza. Rio de Janeiro: Record, 2010.
GREUEL, Marcelo da Veiga. Da “Teoria do Belo” à “Estética dos sentidos”: reflexões sobre Platão e Friedrich Schiller. Anuário de Literatura, Florianópolis, p. 147-155, jan. 1994. ISSN 2175-7917. Disponível em: . Acesso em: 02 out. 2020. doi:https://doi.org/10.5007/%x.
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PLATÃO. O Banquete.Publ. Europa América, Lisboa, 1977
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LEWIS, C. S. Cristianismo Puro e Simples. 3.ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014.
