Crítica: Abril pelas direitas… foi bonita a festa, pá?, Rodrigo Pereira Coutinho e Paulo Jorge Teixeira

Recensão da obra “Abril pelas direitas… foi bonita a festa, pá?” Coordenada por Rodrigo Pereira Coutinho e Paulo Jorge Teixeira – com prefácio de Alexandre Franco de Sá

Introdução

Em 2024, ao comemorar os 50 anos da queda do Estado Novo e o início da democratização em Portugal, retoma-se o debate sobre o legado desse período. Embora exista uma produção extensa relativa ao Estado Novo e à transformação política subsequente, a expressão das diversas direitas – que abrange desde liberais e social-democratas à direita até conservadores, reacionários e nacionalistas tradicionalistas – permanece minoritária nos discursos oficiais e historiográficos. Nesse contexto, a obra “Abril pelas direitas… foi bonita a festa, pá?” surge como uma tentativa de contrabalançar essa hegemonia, reunindo 50 ensaios que capturam as múltiplas vozes e abordagens das direitas portuguesas.

Síntese dos artigos fundamentais da obra

A obra agrupa textos publicados em colunas de opinião e possui a maioria dos artigos originais, os quais, embora variados em estilo e origem, partilham a proposta de diagnosticar criticamente o regime democrático português contemporâneo à luz do passado e das suas próprias contradições. Seguem, de forma sintetizada, os principais pontos abordados, organizados por autor:

1. Alexandre Franco de Sá (Prefácio, pp. 15–26)

Temas abordados:

  • Crítica ao processo de descolonização, defendendo que Angola e Moçambique já haviam adquirido estatuto de Estado em 1972 (p. 20).
  • Observação de que, apesar de instaurada a democracia, sobre ela paira o desinteresse cívico e a consolidação de uma oligarquia partidária (p. 24).
  • Análise do desenvolvimento do país, que gerou frustração: sucessivas alternâncias de governos permitiram a existência de clientelismos, com ciclos de nacionalizações seguidos de privatizações, perda de soberania, desmantelamento das estruturas produtivas e consequente envelhecimento e empobrecimento da população, agravados pelo fluxo migratório e pela emigração juvenil (pp. 24–25).

2. Rafael Pinto Borges (pp. 39–42)

Temas abordados:

  • A gênese das referências da democracia portuguesa na influência dos discípulos de Estaline, mesmo após o fim do poder salazarista (p. 40).
  • Crítica à descolonização, comparando o processo português com os casos da Austrália e do Canadá, sugerindo o seu fracasso (p. 41).
  • Reflexão sobre a perda de um património geopolítico secular e as consequências para os países africanos – marcada pela miséria e pelo caos –, enfatizando que a democracia só emergiu por meio do PREC e da destruição gradual da indústria (p. 42).

3. Miguel Nunes Silva (pp. 51–55)

Temas abordados:

  • No contexto do Portugal de Salazar, destaca-se o desrespeito pela liberdade política – ainda que o aprisionamento e a tortura tenham afetado apenas uma minoria capaz de subverter a ordem vigente.
  • Análise da transição: o abandono do Ultramar, a renomeação de infraestruturas, o colapso do Estado e o aumento expressivo da dívida pública, contrapondo tais retrocessos aos ganhos de liberdades civis e políticas pós-Estado Novo.
  • Apontamento de críticas contemporâneas, como a censura nas redes sociais, o totalitarismo progressista e o fenómeno do politicamente correto (p. 55).

4. Teresa Nogueira Pinto (pp. 61–65)

Temas abordados:

  • Diagnóstico do colapso institucional e de uma estagnação que torna o país refém de uma elite política decadente.
  • Pontos sobre a deterioração das Forças Armadas e o declínio da taxa de natalidade.
  • Exposição da hegemonia cultural da esquerda e da confluência entre as antigas e as novas direitas – que se justificam à custa da democracia cristã ou do centro-direita liberal – desafiando o status quo europeu (pp. 61–62).

5. José Almeida (pp. 67–73)

Temas abordados:

  • Reinterpretação de Oliveira Salazar como “o príncipe da política portuguesa” (p. 70).
  • Discussão sobre os efeitos da desintegração do Império Português, apontando para a emergência de Estados falidos e para a autodeterminação como um conceito que adquire tonalidades neocolonialistas – configurando-se, nesse contexto, como uma espécie de “nacionalismo do bem” (p. 72).

6. Miguel Granja (pp. 95–100)

Temas abordados:

  • Crítica ao uso do 25 de abril como instrumento a serviço das direções partidárias, onde o povo aceita ser “insultado” e empobrecido pelos seus governantes.
  • Reflexão sobre os mecanismos de corrupção que se traduzem num empobrecimento generalizado – denominando “Portugal democrático” o cenário em que o enriquecimento pessoal é facilitado por práticas clientelistas.
  • Observação de que o esvaziamento das elites alimenta movimentos populistas (pp. 99–100).

7. José Luís Tavares (pp. 117–124)

Temas abordados:

  • Destaque para o alarmante percentual de pobreza – cerca de 20% da população, com projeções de duplicação na ausência de apoios sociais.
  • Análise comparativa que sugere que as novas gerações enfrentarão condições piores do que as anteriores.
  • Reconhecimento do governo de Aníbal Cavaco Silva como responsável por algumas modernizações, como a erradicação das barracas nas áreas metropolitanas (Lisboa e Porto) (pp. 117–119).

8. Abel Matos Santos (pp. 133–136)

Temas abordados:

  • Relato de práticas violentas durante o PREC – com episódios de assassinatos – acompanhado de críticas à “descolonização exemplar”.
  • Argumentação de que, embora se viva numa democracia com conquistas, esta está permeada por uma partidocracia, na qual os partidos e as suas direções predominam, limitando a escolha dos eleitores e promovendo uma censura económica e política, para além de falhas na reforma do sistema eleitoral e na resolução de problemas cruciais em saúde, educação, justiça, segurança e habitação (pp. 134–135).

9. Rui Pereira (pp. 155–157)

Temas abordados:

  • Asserção de que Portugal encontra-se numa situação de ameaça, sem alma nem identidade, com uma sociedade que perdeu o espírito da comunidade nacional.
  • Crítica ao papel do exército, que atua como “mercenário” a serviço da NATO ou da ONU, afastando-se do seu papel de reserva moral.
  • Proposta para o ressurgimento de um exército verdadeiramente nacional e popular (p. 156).

10. João Brás (pp. 167–172)

Temas abordados:

  • Enfoque na necessidade de aprofundar os pontos de falha e definir medidas que deveriam ter sido implementadas para a modernização do país.
  • Argumentação de que, embora as mudanças sejam imprescindíveis, estas frequentemente conduzem a um aumento do estatismo e da propaganda.
  • Destacamento do facto de que, em grande parte, as transformações devem-se à entrada na CEE e à imposição de regras externas – pelo que, ainda que o país não viva sob uma ditadura, tampouco desfruta de uma democracia plena –, bem como uma crítica à descolonização, apontada como desastrosa e criminosa, com graves consequências humanitárias e económicas (pp. 168–171).

11. Pedro Arroja (pp. 241–245)

Temas abordados:

  • Análise dos índices de crescimento económico: destaca que, enquanto nas décadas de 1960 o crescimento foi robusto (entre 7% a 11%), desde 1974 Portugal teve de recorrer três vezes à ajuda externa, e que o crescimento médio dos últimos 50 anos não ultrapassou os 2% anuais (pp. 241–242).

12. Miguel Côrte-Real Gomes (pp. 247–250)

Temas abordados:

  • Defesa de um modelo estatal enxuto, que seja prestigiado, subsidiário e solidário, com base no Estado de Direito e numa democracia autêntica, onde os cidadãos se sintam representados.
  • Proposta de um cenário em que os cidadãos possam progredir sem necessidade de emigrar e onde os negócios prosperem sem serem oprimidos por um Estado gordo, repleto de burocracia e de impostos elevados (p. 249).

Questões Editoriais

Para além do conteúdo dos ensaios, a obra suscita duas questões editoriais:

  • Índice: A ausência dos títulos dos capítulos dificulta a orientação dos leitores que não estão familiarizados com os autores.
  • Origem dos textos: A inclusão de artigos inicialmente publicados como colunas de opinião online levanta questões quanto à seleção e à originalidade do material reunido.

Considerações Finais

“Abril pelas direitas… foi bonita a festa, pá?” apresenta uma visão multifacetada das diversas direitas em Portugal, articulando diagnósticos que oscilam entre a crítica ao sistema vigente e o reconhecimento dos avanços – como a redução da mortalidade infantil, o aumento da esperança de vida e o saneamento básico – que, em parte, decorrem das transformações tecnológicas e da integração supranacional. Ainda que os ensaios apontem falhas marcantes na condução política e na consolidação do regime democrático (tais como a concentração de poder, o clientelismo, a insuficiência de reformas estruturais e as consequências da descolonização), mostra-se indispensável para compreender os desafios atuais e as reminiscências do passado.

A obra é recomendada não só a estudiosos da política e da história recentes de Portugal, como também a leitores interessados em conhecer as diversas perspetivas que, por vezes, se encontram à margem da narrativa dominante – permitindo assim uma leitura mais ampla e crítica acerca do 25 de Abril e dos seus desdobramentos.