
Domingos Tavares Campos (domingostavarescampos@gmail.com)
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
A todos os meus amigos a quem
Deus investiu na condição calva.
Resumo: A História jamais se repete, embora as histórias que a compõe por várias vezes rimem. No século VIII, tal como no corrente, a figura calva foi vítima de variadas chacotas, o que levou o monge Hucbaldo, cuja reputação corria por toda a Europa, a compor um texto aliterativo, em latim, em defesa dos seus calvos congéneres. Aqui, propomos uma tradução em português da nossa autoria.
Palavras-chave: Calvície, Literatura Medieval, Poesia Aliterativa, Tradução.
Abstract: History never repeats itself, although the particular (hi)stories that make it up often rhyme. In the 8th century, just like today, the balding man was often the victim of satyre, which led the monk Hucbald, whose reputation ran before him throughout Europe, to compose an alliterative text in Latin in defense of his bald peers. Here, we propose our own Portuguese translation.
Keywords: Baldness, Medieval Literature, Alliterative Poetry, Translation.
Portugal tem vindo a dominar a indústria dos implantes capilares, um sector da medicina estética que está em constante crescimento e, neste momento, fruto de avanços técnicos e um certo grau de economia de escala, permitiu baixar o custo desta operação, que até há uns anos era vista quase como um arcano mistério esotérico. A razão é simples: a calvície é, na nossa sociedade, vista como esteticamente neutra, no melhor dos casos, como prejudicial, no pior. No passado, a calvície foi interpretada como sinal de sabedoria, motivo pelo qual Sócrates, Demócrito e Pitágoras, para citar três exemplos famosos da Antiguidade Clássica, foram retratados como calvos. Na tradição iconográfica cristã primitiva, a falta de cabelo tornou-se proporcional à sabedoria dos doutos, como S. João Evangelista, S. Paulo e S. Jerónimo. No entanto, esta marcha histórica não foi linear e a calvície nem sempre foi tomada como sinal de sapiência, tendo, por exemplo, Júlio César, o grande líder romano, adoptado um penteado com o infame comb over, como nos podemos aperceber pelas suas estátuas; situação replicada por S. Constantino, que, a despeito da sua conversão ao Cristianismo, poderia ter abandonado todas as caducas coisas conquanto não se tratasse dos seus condutos capilares.
Posto isto, nas centúrias primas do medievo, a condição calva não deveria suscitar grande contentamento por parte dos investidos: as tradições pagãs, mal dissolvidas ainda num cristianismo insipiente, tratavam do cabelo com especial atenção, o que, aliás, encontra ecos na tradição judaico-cristã no mito de Sansão. Simultaneamente, a proliferação do estamento monástico impelia os seus membros à tonsura, como sinal de obediência, cortando o seu cabelo ou com mechas em forma de cruz (como se mantém no rito baptismal bizantino), ou com o corte da coroa. A condição capilar comunicava o estamento social, político e económico; situação comum a toda a Eurásia: na China, o corte do cabelo era censurado nos códices confucionistas, o que se manteve até à chegada da dinastia Qing ao poder, em 1644, que impeliu a maioria Han ao corte do cabelo ou ao corte da cabeça; para os povos das estepes, como os Mongóis, o cabelo comunicava o estatuto social e os guerreiros deveriam cortá-lo ritualmente, mantendo mechas compridas intercaladas com pedaços completamente rapados; e na Rússia até recentemente era visto como condenável o corte do cabelo por parte de membros da igreja, sendo que os místicos sem afiliação eclesiástica, como Rasputine, também o deixavam crescer, mostra da falta de ligação ao mundo, sendo que os Velhos Crentes, que mantém os costumes medievais, ainda mantém o hábito do cabelo comprido como mostra da sua consagração à missão religiosa. Na Europa Central, vítimas da jocosidade alheia, os calvos irão encontrar refúgio no texto de Hucbaldo que, não surpreendentemente, deveria ter sido ele mesmo calvo: Huc Bald, Hugo, o Calvo.
Hoje reduzido ao desconhecimento, este monge foi importantíssimo no desenvolvimento da teoria musical cristã, além de poemas profanos e composições sacras. O texto que aqui nos ocupa é o Ecloga de Calvis, dedicado ao bispo Hatto de Mogúncia (Mainz), tendo granjeado a fama durante o Renascimento, com inúmeras versões impressas.
Desde já, assumimos a nossa falta de qualificação própria para a tradução desta obra: o nosso latim é relativamente mau e obrigou-nos a socorrer-nos de dicionários para traduzir a peça quase palavra a palavra, além da tradução francesa do século XIX e da tradução inglesa dos nossos dias. Além disto, a constante e sacrossanta aliteração torna o texto dificílimo e com bastantes problemas, pelo que estas duas prévias traduções entram, várias vezes, em conflicto, sendo difícil descortinar ao certo o que é escrito, embora se compreenda o seu sentido global. Além destes problemas específicos, colocam-se ainda os problemas globais de serem todas as traduções meras aproximações ao sentido da obra.
Posto isto, consideramos que, pela novidade no contexto português, pela jocosidade granjeada e pela realização de toda a tradução mantendo a aliteração original em -c, salvo para conjunções, determinantes e proposições, visto não possuir o nosso pátrio idioma casos[1], ao contrário do seu antepassado latino, dos quais nos possamos recorrer para tornar a aliteração perfeitamente pura.
Posto isto, o grosso do poema é composto, como dito previamente, por 146 estrofes, precedido por dois poemas, estes não aliterativos, em que o monge dedica a sua composição ao bispo Hatto e se consagra à musa Polímnia. Há algumas versões que incluem um outro poema de 13 linhas somente, mas que o tradutor para o francês considera não serem da autoria do religioso franco[2], mas antes alguma imitação. De todos os modos, decidimos traduzi-los, deixando esta adenda.
Assim sendo, e sem mais nos alongarmos:
|
Coíbe-te, Camena, de cerrar de cantos os calvos Comemorem-se, cantem-se e celebrem-se os calvos Cristo, a cabeça dos carecas contemplai: |
Carmine, clara, cave calvos calvare, camoena; Crispa cada contra caudata calumnia cirro Calvorum charites cantatae carmine claro Conticeant, cum clangenti concita canore Concidering coeli cum Christi culmina cultu. Caesarae capides, cauti cata cista Catonis Concludant cleri captantia carmina culpas. Carmina calvorum comtrix, conclude, camoena. Carole, cum calvis, Caesar clarissime, canta Crucifero Christo clari conamina cleri. Clausa camoena capita cum Caesare congrua curam Comta corona, cave; cum Caesare condita calvo Caroleos comunt celebrantia carmina calvos. Christe, caput calvum cum comto contueare. Crux cujus cunctis codonat crimina calvis. |
Quanto ao texto que canonicamente pertence a Hucbaldo, não mantivemos as divisões que lhe são dadas na versão francesa do século XIX, por não se poderem datar as mesmas, preservando a unidade que cuidamos original do poema.
Canções com censuras colossais, chacotam carecas:
Cantadas, compostas; celebremos, contudo, calvas cantigas
Claras, conspícuas, comummente conhecidas
Cantos aos calvos cantai, clarísona Camena!
Começarei a condecorar calvos com condignas canções
Confundindo crinas cachoadas, cirrosas;
Concelebremos criativos cânticos da conceituada Camena
Comemorando calvos, cominando nos capotes criminosos:
Com a capilar carência calva, cuidam chalacear.
Calvos aos cumes dos Céus caminham,
Calando os que contam com compridos cabelos,
Caluniadores, cessando os condutos capilares com cada canção,
Cantigas consonantes, aos calvos conjuntamente cantadas
Cantos aos calvos cantai, clarísona Camena!
Crescente coroa na cabeça, calva como o colo.
Consortes clérigos, conferidos na calvície:
Concordantes corporalmente com Cristo, cedendo a Coroa.
Cortando da cabeça cabelo, do coração crimes convelando.
Com o coração, o Criador, no cerúleo corpo contempla
Cobiçando comparticipar no culto dos cidadãos celestes
Condenando com cautela crimes e caducas coisas
Céus catapultado, celestial coral
Cupidamente compreendendo e clamando o Criador da completa criação
Cantos aos calvos cantai, clarísona Camena!
Contentes cabeças carecas clamam como canoras,
Conquanto cantando castas cantigas em corridinho[3]
Conformes em cabeça, concordes colectivamente em corpo
Complancência do clero, cuidadosamente a construindo celas
Com clangor do corno celeste, convocam coortes,
Concedendo o cognome cristão com o Crisma,
Consórcio consagrado com a classe crismada.
Comunidade concorde, cautelosamente celebrante o convívio da Ceia
Convivas constantes do corpo e cruor de Cristo.
Cantos aos calvos cantai, clarísona Camena!
Copiosos calvos coleccionam castíssimos claustros[4]
Celebrantes cândidos dos celestiais cantos cristãos
Carentes de corporais crinas, clareando os cumes celestes.
Cumes dos Céus cobiçando[5], coibindo-se de cuidados caducos
Concebendo cartas, compondo cantos claros
Católicos certíssimos, cânones cuidando consertar
Coibindo a carne, conservando do coração o calor;
Constantes, castos, o comum curso cruzar
Celeremente, conquistando a chegada aos cumes celestiais
Cantos aos calvos cantai, clarísona Camena!
Chefiam os calvos, caminhando ao cimo dos Céus
Conspícuos, colorida a Coroa como cervical [embelezados com a coroa cervical]
Clementes coligem capital, concedendo com consideração aos clientes
Cuide-se, cuidado, ca[6] os calvos condenam crimes.
Calvos censores copiosos censos constroem,
Corpulentas carecas comunicam de cuidado carecimento:
Considera corporalmente cego o calvo[7]
Calvos cessam do cuidado a cegueira[8]
Cessa a consternação, calvo, cessa, careca[9].
Cantos aos calvos cantai, clarísona Camena!
Calvos, conhecidos combatentes.
Contestando com cristas carecas, como capacetes,
Contorcem, crispam, conjuntamente contendem:
Cercam os cachoados cabeludos, calcam-lhes os comados
Com cutelos cavam carnosos caboucos, como corrusco cortam os cabos
Cervicais caídas; celebram os calvos com celeuma clamorosa.
Comovido ao confronto, com capacidade os calvos combatem
Coligem e calcam, compelem à cedência os cabeludos
Cativos capturados, captos com cérvices coarctadas.
Cantos aos calvos cantai, clarísona Camena!
Conhecereis: calvos contam com o cúlmen do cérebro;
Conhecereis, calvos crânios curam catarro;
Conhecereis, calvas cabeças curam cegas catervas.
Cancro e caquexia a crónicas conduzidos por calvos[10]
Castigados cardiopatas o carpe cessam; cólica condição curada.
Com canivetes cortantes, condições carnais conferindo
Corruptas cabeças, charcosas com cruor cervical.
Causa dos cantos à chusma? O calvo as clandestinas coisas, que capitulam
Censura, causadoras da criatura o caimento; curando o corpo.[11]
Cantos aos calvos cantai, clarísona Camena!
Consternação dos cabeludos cirssosos, de concursos cessem a concepção
Críticas à criatura de clamar cessai:
Ca o Criador, do Cosmo causador, com completo comando
Constituiu com cargo e compromisso, colectar, consultar, conferir a criação
Curvando em conjunto as chusmas, condecorando, contrariamente, claro, o careca:
Concedendo-lhe o cume com a criada completude coagindo cumprir o calvo comando.[12]
Cretinos conclamam, como cães, comunicando clamores:
“Criou o calvo como carquilhosa[13] cabaça caída, chafurdada?[14]“
Cuja crítica celeremente carece constituir-se calada.
Cantos aos calvos cantai, clarísona Camena!
Choldras canalhas, castigam couros ao calvo.
Com que causa? Calvos crimes de seu coração contorcem, cortam e correm.
Contrariamente, cabeludos com carapinhas colocam cinzas na cabeça calva.[15]
Calvos compreendem conversão coalescente do corpo em cinzas.
Consequentemente consideram carecer a carne de crestar com calidez de carvão
Chamusca coração do calvo da congregação com calor de Cristo.[16]
Com que causam castram calvos, castos corporalmente?
Culpas castram no coração completa e celeremente.
Choldras canalhas, cessai cantos chacoteando dos calvos!
Cantos aos calvos cantai, clarísona Camena!
Cuidado com canto, o claro à claridade, o cego à cegueira, conforme características, cingir
Calcando a calúnia, comprimindo-a contra o chão, chafurdando na charneca.[17]
Conspurcada, carrancudas cantatas contra calvos concluem com cornetas, clarins e cítaras.
Certamente considerado como crítico, censores caprichados dos carecas
Clarividentes calvos, conhecedores cabais das celestiais coisas.
Calvos chacotearam, cercando-os, chocarreando, chalaceando,
Clamando: “Caminha ao cume, celeremente, calvo”[18].
Condenam os calvos os cativos, criminosos com culpas claras
Calamitosos, corroídos, culposos corpos em cotas e componentes caídos.
Cantos aos calvos cantai, clarísona Camena!
Cantos aos calvos compostos, compilados, cortejam o calvo
Conspícuo, cujo cruel contendedor composto
Considerava o cultuador de Cristo crucificar.
Contentamente, cercam o cordial calvo com cabeça circumfulgente
“Completamente cegos!”, o clamor de Cristo citando.
Caem, celeremente, corporalmente cavados como com cutelos cortados:
Consequentemente, capturado ao cume dos Céus caminha
Clarividentemente, contempla cara-a-cara o Criador da completa criação
Cujo coração claramente cintila como concha celestial.
Cantos aos calvos cantai, clarísona Camena!
Conglomerai os coros, celebrai os calvos em conjunto.
Calva censura cambia-se em celebratórios cantos os calvos cultuando,
Conhecemos: o cônsul dos Céus ‘conselham caução:
Consulta crimes, considera-os completamente cacosos[19];
Condena culpados; criando um colóquio comunal.
Cultivando comunidades cívicas; confunde os cachoados:
Contidos e conquistados; dos cônjuges da Cristandade
Comove corações, cabeça condita com o corpo[20].
Cretinos cessai de condenar os célebres calvos!
Cantos aos calvos cantai, clarísona Camena!
Contenham criaturas cruéis contra carecas;
Conatamente conservando criminosas culpas,
Comunicando cínicas contumélias – carentes de conteúdo,
Cobiçosos de cassar consideração; clausurem-nos e castiguem-nos cegamente,
Calvastro[21], censor, crê que o capturado
Careça de culpar o calvo, como cego cão.
Cala-te, cão, que culpas de crimes os calvos;
Cala-te, cão, com cantos críticos dos calvos;
Cala-te, cão, cessa de corroer os calvos;
Cantos aos calvos cantai, clarísona Camena!
Caso contemples o concílio calvo congregado, claro e cintilante,
Compreende que o círculo celestial consente o careca,
Ca o centro do Céu é o cerne da calvície.
Circuitos do cosmo confirmam-se como comendas calvas.
Coligi os carecas! Congregai os cintilantes calvos!
Cíntia[22] cessará de conferir e colorir
Cedendo o cargo comparadas com as claras calvas cabeças.
Conbrilham carecas, calvo capacete coruscando;
Constelações cintilam, do careca cerúleas cópias.
Cantos aos calvos cantai, clarísona Camena!
Convém claros cantos compor nos claustros,
Completos, cortesãos, cantos calvos.
Versão latina, de Étienne-François Corpet.
Carmina, conviciis cerritus carpere calvos
Conatus, cecinit, celebrentur carmine calvi
Conspicuo clari: carmen cognoscite, cuncti.
Carmina clarisonae, calvis cantate, camoenae.
Comere condigno conabor carmine calvos;
Contra, cirrosi crines confundere colli.
Cantica concelebrent callentes clara camoenae;
Collaudent calvos, collatrent carmine clubas
Carpere conantes calvos crispante cachinno;
Conscendant coeli calvorum causa cacumen.
Conticcant cuncti concreto crine comati,
Cerrito calvos calventes carmine cunctos.
Consona conjunctim cantentur carmina calvis.
Carmina clarisonae, calvis cantate, camoenae.
Cum crescit calvi capitis cérvice corona,
Consortem cleri consignat confore calvum,
Capturum claram, Christo cedente, coronam.
Ceu crines capitis, convellens crimina cordis,
Corde creatorem conspectat, corpore coelum.
Coelicolas cives cupiens contingere cultu,
Crimina cum curis condemnat cuncta caducis;
Coeli conscensum, concentum coelicolarum
Concupiens cupide, collaudant cuncta creantem.
Carmina clarisonae, calvis cantate, camoenae.
Conjubilant calvi celso clamore canori,
Continuantque choro castas cantare choreas.
Conformes capiti, concordes corpore cuncti,
Complacitas cleri contendunt condere caulas,
Correpto cornu coelestia clássica clangung,
Conficiunt carum Christi cognomine chrisma,
Consociant cuneo conspersos chrismate coetus.
Concordes caute celebrant convivia coenae;
Constanturant Christi convivas carne, cruore.
Carmina clarisonae, calvis cantate, camoenae.
Complures calvos cogunt castissima castra.
Coelica certatim celebrantes cantica Christo,
Corpore, crine carente, collustrant culmina coeli.
Coelica concupiunt, cohibent curare caduca.
Componunt chartas, concinnant carmina clara.
Catholicum canonem certum conscribere curant.
Commulcant carnem, congestant corde calorem
Constantem, castum, communi currere cursu
Contendunt celeres, coelique capessere culmen.
Carmina clarisonae, calvis cantate, camoenae.
Conregnant calvi, conscendunt culmina clari,
Conspicui, comti chrysea cérvice corona.
Clementes censu, condunt consulta clientum.
Cincinnose, cave! Condemnant crimina calvi:
Censorem calvum censuram cendere constant;
Cordacem calvum cordatum crede cavendum.
Calventem calvos caecari corpore censet.
Calvitium calvi caecatus carpere cessa;
Cessa calvastrum, cessa corrodere, cessa.
Carmina clarisonae, calvis cantate, camoenae.
Conductun calvis cúneos ceramine claros.
Compugnant calvi cristati casside coni.
Contorquent, crispant celeres cum caede catervas:
Comprendunt cirros, contundunt calce comatos,
Cuspide confodiunt; capulo conscissa corusco
Colla cadunt; celebrant calvi clamore celeusma.
Commotus certare, catus certamine calvus
Conculcat, caedit, crinitos cedere cogit,
Captivos captat, captos cervice coartat.
Carmina clarisonae, calvis cantate, camoenae.
Comperies calvos columen confere cérebro:
Comperies calvos capitis curare catarrhos:
Comperies calvos caecas curare cavernas.
Chronica cum cancro cetique cachexia calvo.
Cardia cor carpens cassatur, cólica cessat.
Contrectans chalybem, conscissa carne, coercet
Corruptum capitis, cocta cérvice, cruorem.
Cur complura cano? Clandestina cuncta caduci
Corpore confutat, collapsaque corpora curat.
Carmina clarisonae, calvis cantate, camoenae.
Corde cavus, cirrose, cave certare creanti,
Conviciumque creaturae concidecere cessa.
Condita cunctipotens causarum cuncta creator
Constituit, curamque cavens confere creatis,
Caetera curvavit, clarum consurgere calvi
Concedens culmen, cui cedere cuncta coegit.
Cerritus cur collatrat clamore canino:
Condiderat calvum colapsa cucurbita coeno?
Conticeat citius coenosa calumnia cujus.
Carmina clarisonae, calvis cantate, camoenae.
Colplex carnificum, corium convellere calvo
Cur censes? Cordis convellit crimina calvus.
Cur censes capiti cineres conspergere calvo?
Cognoscit calvus cineri concrescere corpus.
Cur censes calido carnes carbone cremari?
Corda cremant calvi Christi concota calore.
Cur censes calvum castrari corpore castum?
Cordetenus cunctis castratur concito culpis.
Carmine carnificans calvum, compesce cavillum.
Carmina clarisonae, calvis cantate, camoenae.
Carminibus caveo claris conjugere caeca.
Calcetur coenu calcanda calumnia calce.
Coenosus, coenosa caneus, concludito cannam.
Censebis certe censorem códice cantum
Clarividum calvum, cui cônscia consecutura.
Commotum catulum circumlatrante cachinno
Clamantes: Conscede citus, coscedito, calve!
Condemnasse cacos confestim crimine clarant
Convicii, corrosa cadunt cum corpore carptim.
Carmina clarisonae, calvis cantate, camoenae.
Carmina calvorum cumulentur carmine calvi
Conspicui, cujus crudelis cautio caedis
Constiterat, Christi cultores carnificare.
Conjubilent circumfulgente charismate calvo
Caecato cuncti! Christi clamore citatus,
Corruerat cito, confossus ceu cúspide conti;
Confestimque capit conscensum culmine coeli,
CLarivido cernens conspecto cunctipotentem,
Confore cor cujus claret coeleste catinum.[23]
Carmina clarisonae, calvis cantate, camoenae.
Conglumerat choros, calvo celebrate choreas
Censuram celebrem calvus compsisse colendum
Comperimus: coeli consul, consulta cavendi
Crimina confutat, coenosi cuncta coercet
Colloquii; cunctis communia commoda censet.
Confundit cirros; collegia civic condit.
Conciliando consponsorum Christicolarum
Corda ciet, capiti corpus conjugere certans.
Cerritus celebres cesset contemnere calvos.
Carmina clarisonae, calvis cantate, camoenae.
Crudelem calvos casso conamine cunctos
Carpere conantem compescite; crimine captum
Convicii, commentantem comenta caduca,
Concito convictum caecis concludite claustris.
Calvaster censor caecari crimine captum
Censet. Caece canis, cessa contemnere calvum!
Conquinisce, canis, confinges crimina calvis!
Conquinisce, canis, collantrans carmine calvos!
Conquinisce, canis, cessans corrodere calvos!
Carmina clarisonae, calvis cantate, camoenae.
Concilium clarum calvorum cogere coetum
Cum cernis, calvum coeli comprendito cyclum;
Calvitti culmen coeli cognoscito centrum.
Circuitum cosmi commendant caetera calvi.
Calvos consocia, cadentes congere calvos,
Cynthia cessabit chryseos confere colores,
Cornua contenebrans cedet concrescere calvis.
Collucent calvi, calvorum cássida candet
Conrutilans, coeli ceu copia clara coruscat.
Carmina clarisonae, calvis cantate, camoenae.
Conveniet claras claustris componere cannas
Completur claris carmen cantabile calvis.
Bibliografia:
HUCBALDO – De Laude Calvorum Carmen Mirabile; edição, prefácio, comentários e tradução de de Étienne-François Corpet, 1853. Disponível online em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1338867.image e https://books.google.pt/books?id=nNtGAQAAMAAJ&printsec=frontcover&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false
Klein, Thomas – In Praise of Bald Men: A Translation of Hucbald’s Ecloga de Calvis. Comitatus: A Journal of Medieval and Renaissance Studies, nº 26, 1995. Disponível online em: https://escholarship.org/uc/item/1v6296zv
-
Embora, a nosso ver, ainda restem alguns resquícios de casos pois é perfeitamente possível, embora seja considerado pedante, proferir “o filho joanino”, ao invés de “o filho do João”, mas não sendo nós linguistas, desejamos abster-nos deste debate e submeter-nos à apreciação deles. ↑
-
HUCBALDO – De laude calvorum; edição de Étienne-François Corpet. Disponível online em: https://books.google.pt/books?id=nNtGAQAAMAAJ&printsec=frontcover&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false ↑
-
Melhor tradução que encontramos para dança ↑
-
Castra; castelo pelo sentido literal, claustro pela rede sintática ↑
-
Isto é, que buscam o Reino dos Céus. ↑
-
Forma medieval para porque. ↑
-
Sem vaidade. ↑
-
São prudentes. ↑
-
Findam as tristezas. ↑
-
Conduzidas a crónicas porque, pelo calvo, foram acabadas. ↑
-
Os calvos são ainda castos, recebendo cantos por motivo da sua castidade que os leva a censurar os bens perecíveis pela imortalidade da condição santa. ↑
-
Deus concedeu ao calvo a soberania sobre a Criação, obrigando todas as criaturas a curvarem-se perante este. ↑
-
Com rugas. ↑
-
A tradução literal seria: colapsada no caulino chão. Por facilidade, utilizamos chafurdada. ↑
-
Humilhar, remonta à práctica de colocar cinzas na cabeça quando se peca, como feito por S. Francisco de Assis, por exemplo. ↑
-
Os calvos são, por natureza, contemptos mundistas e não seguem as tendências da carne, imitam Cristo e vão fazendo penitência. ↑
-
Não fazendo caso da calúnia. ↑
-
Referência a 2 Reis 2.23: Eliseu partiu dali para Betel. Pelo caminho, apareceram uns rapazitos, vindos da povoação, que se puseram a troçar dele e a dizer: «Vai-te embora, careca!». Disponível online em: https://biblia.pt/biblia/BPT/2KI.2/2-Reis-2 [consultado a 28.04.2023]. Nesta passagem, os jovens pedem que o profeta morra, “Vai-te embora”. ↑
-
Imprestável, digno de um caco. ↑
-
Nua, como o corpo nu, sem pecados. ↑
-
Calvaster, tanto pode ser careca como Calvastro, familiar de Júlio César. ↑
-
A Lua. ↑
-
Estes últimos versos provavelmente referem-se a S. Paulo, como refere a edição francesa de Corpet. ↑
