Uma Narrativa dos assuntos de Portugal após 1383

Uma das Narrativas Desconhecidas, num pergaminho alternativo das Crónicas de Jean Froissart, pelo cavaleiro João Fernandes Pacheco, dos assuntos de Portugal após 1383 [um excerto em muitos]

“[O Cronista narra nas suas palavras] Depois que o Rei D. João de Portugal derrotou o Rei D. João de Castela na Batalha do Campo de Aljubarrota, perto da Abadia que se diz no país de Alcobaça, onde tantos Nobres, Cavaleiros e Escudeiros do Reino da França e da Gasconha e do Reino de Castela foram mortos, e que o Rei D. João de Portugal por este belo e vitorioso feito foi levantado, temido e honrado pelos Portugueses, foi recebido na cidade de Lisboa no seu retorno da Batalha com grande glória de todo o Povo e grande triunfo, a Coroa de louros na sua cabeça, como antigamente os Reis costumavam fazer, quando triunfavam e derrotavam um Rei em Batalha; e a cidade de Lisboa encheu-se de alegria e loucura; e realizou-se uma grande festa perante os Nobres e Cavaleiros que ali estavam, e os Concelhos das boas vilas e Cidades do Reino: um Parlamento foi criado e encerrado para consultar e aconselhar acerca das tarefas do Reino e como, para sua honra, poderiam manter e perseverar, segundo opinião firme, estável e honrada. Pois, como disseram alguns sábios do País, era cedo para se consultarem e aconselharem sobre como poderiam fortalecer-se contra o Rei de Castela e seu poder, de modo a que permanecessem honradamente em sua vitória e pudessem-na multiplicar e ampliar. Neste Parlamento, que estava na Catedral que se diz de S. Domingos, em Lisboa, houve várias palavras recitadas e ditas e apresentadas, muitas delas não tão dignas de nota: não obstante, a decisão do Parlamento foi tal que enviaram mensagem para a Inglaterra, ao Duque de Lencastre, que se dizia herdeiro do Reino de Castela por meio de D. Constança sua mulher, que era a filha mais velha do Rei D. Pedro de Castela; e escreveram-lhe assim: que se alguma vez quisesse reivindicar o direito ao Reino de Castela e adiar este perigo que em suspenso estava, poderia vir a Portugal carregado de homens de armas e arqueiros, porque era chegada a hora. Então, foi lá ouvido e falou de belas palavras o Conde de Arraiolos, Condestável de Portugal [Nuno Álvares Pereira]: “pois que nós somos de acordo de enviar a Inglaterra, ao Duque de Lencastre, de quem contamos de ser auxiliados, e que esta é a maneira mais proveitosa de nos dar paz, e dar guerra aos nossos inimigos; guiemos e aconselhemos homens sábios e notáveis no nosso Reino que darão esta mensagem e assim informarão o Duque de Lencastre e o avisarão que ele venha a este País de grande riqueza e resista aos nossos inimigos, com a ajuda que de nós terá; pois acreditamos que o Rei de Castela fortalecer-se-á grandiosamente com o Rei da França e os Franceses, pois eles não sabem para que lado se virar. Eles houveram tréguas com os Ingleses no dia de S. João Baptista e os Ingleses com eles, e os Franceses têm também uma boa e firme paz com os Flamengos, que ocuparam por vários anos”. O discurso do Conde de Arraiolos foi aceite e bem dito, diz-se que falara mui bem e mui certamente. Então, foi nomeado por discussão que o Grão-Mestre de Santiago do Reino de Portugal e Lourenço [Eanes] Fogaça, um escudeiro muito sábio e discreto que conhecia e falava bem o Francês, iriam com a dita mensagem à Inglaterra, pois o conselho do Rei de Portugal admitiu que não era possível enviar lá, naquele momento, pessoas mais aptas que aquelas para fazer o trabalho em questão. Eram cartas mui bem escritas, ditadas bem e discretamente em bom Francês e em Latim, que seriam endereçadas ao Rei de Inglaterra, ao Duque de Lencastre e a seus irmãos, os Condes de Cambridge e de Buckingham; e essas cartas em Francês e Latim foram lidas perante o conselho, sendo muito apreciadas e depois seladas e entregues aos susoditos Mestre de Santiago e Lourenço Eanes Fogaça, que se encarregaram de levá-las para Inglaterra à vontade de Deus, desde que pudessem passar os perigos do mar, os infortúnios com ladrões e inimigos, que abundavam no mar mais do que em terra. Eles tinham um navio chamado Lin, que navega todos os ventos com mais segurança do que qualquer outro. No dia, despediram-se do Rei e do Arcebispo de Braga e do Bispo de Coimbra, o grande conselheiro de Portugal, e então chegaram ao Porto, entraram no navio, equiparam-se e navegaram para poderem chegar ao Reino de Inglaterra, ficando três dias no mar, ausentes de qualquer terra, vendo apenas céu e água, até ao quarto dia, quando avistaram a Cornualha. Tanto exploraram a dita costa pela façanha de Deus e pelo bom vento e pelas marés que os seus marinheiros sabiam aproveitar na hora certa, tanto costearam a Cornualha e as costas da Inglaterra, que chegaram sãos e salvos ao Porto de Southampton, e ali ancoraram. Desembaracaram do seu navio e foram refrescar-se na cidade. Ali foram bem inquiridos e interrogados pelo intendente de Southampton e pelos guardas do mar e do porto, de que País eram, de quem vinham, de que parte iam. Responderam a todas estas perguntas e disseram que eram do Reino de Portugal e que para lá tinham sido enviados pelo dito Rei e conselho. A estas palavras foram bem-vindos. Certo dia, quando os ditos mensageiros descansavam e refrescavam-se em Southampton, e providenciaram cavalos para si, para seus homens e também para os almocreves que os levariam a Londres, como não conheciam a região nem as estradas, partiram de lá e exploraram a região até chegarem a Londres. Desceram em Grace-church, na Casa Falcão, perto de Winchester, e foram enviados de volta pelos guardas, que lhes trouxeram os cavalos de antemão. Tanto que o Xerife chegou, sabendo-se que o Rei de Inglaterra e todos os seus estavam em Londres ou em Westminster, ficaram maravilhados e vieram para Londres na hora do almoço. Jantaram lá outrossim; e depois do jantar, ordenaram as cartas endereçadas ao Duque de Lencastre e à Duquesa e foram até eles. Quando o Duque e a Duquesa souberam quem eles eram, ficaram muito felizes, pois estavam ansiosos por ouvir notícias de Portugal: de facto, algumas foram contadas, mas eles não acreditaram em algumas, pois nem o Rei nem ninguém havia enviado nada por carta. Assim, o Grão-Mestre e Fogaça entraram no quarto do Duque de Lencastre, onde se encontrava a Duquesa; e, como Lourenço falava bem francês, foi o primeiro a falar. E, depois de fazer uma reverência ao Duque e à Duquesa, entregou ao Duque as cartas que vinham de Portugal. O Duque pegou-as e entregou à Duquesa as que lhe pertenciam: cada um as leu e depois as fechou (…)”.

 – Jean Froissart, apêndice do livro XIII das suas Crónicas.